Ruth Benedict - Padrões de Cultura - Cap. IV: Os pueblos do Novo México

Os pueblos do Novo México é o quarto capítulo da obra Padrões de cultura, da aclamada antropóloga Ruth Benedict. Este capítulo trata-se da descrição detalhada dos vários índios pueblos, que viviam nas redondezas do Estados Unidos e do México. Apesar de ser longo, o capítulo é de uma compreensão mais fácil, visto que o objetivo é demonstrar e fazer com que se compreenda como é a cultura desses pueblos, como dito anteriormente.

Inicialmente, a autora começa a descrever os pueblos do sudoeste, que são um dos povos primitivos mais conhecidos na civilização ocidental. Estes viviam no centro dos Estados Unidos, continuando vivendo à maneira antiga. Entretanto, há um fator interessante que Ruth Benedict aponta: a cultura deles não se desintegrou como a de todas as comunidades indígenas localizadas fora do Arizona e do Novo México. Segundo a autora, todo mês, ano após ano, as danças dos deuses são praticadas em suas aldeias de pedra, a vida segue de maneira geral as suas rotinas antigas e eles fizeram uma adaptação e uma subordinação de tudo que tomaram da nossa civilização ao critério deles. Benedict analisa, neste capítulo, cada aspecto mínimo dos pueblos, desde a arquitetura das cidades feitas por eles até os aspectos sobrenaturais e da fé desses índios. A autora relata que era possível, em sua época, encontrar os lares dos ancestrais culturais, as moradias nas rochas e as grandes cidades planejadas nos vales do auge desses povos, construídas por volta dos séculos XII e XIII, sendo possível remontar muito mais atrás em sua história até o início de suas casas com um cômodo, cada uma com uma câmara cerimonial no subsolo: a kiva. Contudo, este povo Pueblo mais antigo não foi o primeiro a fazer do deserto a sua morada. Além disso, é relatado que esses povos trouxeram consigo o arco e a flecha, conhecimentos de arquitetura em pedra e uma agricultura diversificada.

A antropóloga americana faz uma observação muito profunda sobre esses pueblos. Ela destaca que as cidades construídas por esses povos eram de dois tipos diferentes, mas construídas pela mesma civilização e ao mesmo tempo. O primeiro tipo era de habitações nos rochedos e as cidades semicirculares nos vales. Segundo Ruth Benedict, as moradias eram escavadas na face escarpada do precipício ou construídas sobre uma saliência a dezenas de metros do fundo do vale, e essas habitações são um dos tipos mais românticos de habitação humana. Contudo, uma coisa jamais falta nas casas dos pueblos: a câmara cerimonial, a kiva, que era talhada para comportar uma pessoa em pé e grande o bastante para servir como sala de reunião. Entra-se nela passando pelo alçapão e descendo pela escada. Já o outro tipo de moradia descrito pela autora era um espécie da moderna cidade planejada: um muro semicircular que se elevava três andares no lado de fora fortificado e descia por terraços para o interior à medida que se aproximava das kivas de subsolo, que se agrupavam ao abrigo dos grandes braços de alvenaria.

Logo após detalhar a arquitetura dos povos pueblos, a antropóloga trata da cultura mais adentro, principalmente dos zunhi. A cultura pueblo, segundo Ruth, tem uma longa história homogênea e nós temos a necessidade especial de conhecê-la porque a vida cultural desses povos difere, portanto, da do resto da América do Norte. Além disso, a autora nos diz que não podemos compreender a configuração da cultura pueblo sem ter alguma familiaridade com seus costumes e modos de viver, e que antes de abordar os objetivos culturais deste povo, é necessário conhecer a sua estrutura de sociedade.

Iniciando a descrição dos zunhi, é afirmado, logo no início, que os zunhi são um povo cerimonioso, que preza a sobriedade e a atitude inofensiva acima de todas as virtudes. Esse povo centra seu interesse na sua vida cerimonial, que é muito rica e complexa. Eles possuem cultos de deuses mascarados, de cura, do sol, de fetiches sagrados, de guerra e dos mortos, que são conjuntos de rituais formalmente estabelecidos, com funções sacerdotais e observância calendárica. Portanto, o campo de atividade que os zunhi dão mais atenção é o ritual. Provavelmente, entre os pueblos ocidentais, a maioria dos homens adultos dedicam esse fim a maior parte do seu tempo de vigília. Trata-se de memorizar ao pé da letra um volume de ritual capaz de assoberbar mentes menos treinadas e preparadas como as nossas, bem como de realizar cerimônias cautelosamente combinadas que seguem o cronograma fixado pelo calendário e encadeiam todos os diversos cultos e o corpo central num procedimento formal incessante.

A vida cerimonial demanda tempo e a atenção desses pueblos, segundo retrata a antropóloga, e não somente dos responsáveis pelos rituais, mas todas as pessoas desses povos, como mulheres e famílias que não têm nada – ou seja, que não têm posses rituais. Enquanto o ritual acontece, eles assistem o dia todo como espectadores. Se ocorre de um sacerdote adoecer ou se não chove durante seu retiro, o mexerico na aldeia repisa seus erros cerimoniais e as consequências de seu fracasso. Com isso, as pessoas se questionavam, por duas semanas, se o sacerdote dos deuses mascarados teria ofendido algum ser sobrenatural ou se ele quebrou seu retiro indo pra casa em busca da esposa antes do dia certo. E, além do mais, se um imitador acrescenta uma pluma à sua máscara, o fato ofusca toda conversa sobre ovelha, jardins e etc.

Ruth Benedict nos relata que a preocupação com o detalhe é muito lógica. Os povos zunhi acreditam que as suas práticas religiosas têm poder sobrenatural por si mesmas. Se tudo sair de modo correto, se o traje do deus mascarado seguir a tradição nos mínimos detalhes, se as orações que duram horas forem perfeitas letra a letra, o efeito virá conforme os desejos do homem. Eles comprovam este costume com a frase que eles dizem frequentemente: basta “saber fazer”. Além disso, cada detalhe é mágico, portanto, é importante que a pluma de águia presente na máscara seja retirada do peito da ave e não do ombro.

Ruth Benedict descreve cada mínimo detalhe da cultura zunhi, desde o modo como os rituais eram feitos até as músicas que os mesmos cantavam. A autora nos aponta que esses pueblos se apoiavam muito na mágica imitativa. Nos retiros para atrair chuvas, os sacerdotes rolam pedras redondas pelo chão para gerar trovões, borrifam água para gerar chuva, põem uma gamela d’água no altar para que as nascentes transbordem e outras coisas mais. As canções também são cantadas em variados rituais, sendo que devem ser cantadas de forma perfeita. A sua eficácia decorre de sua fiel execução. Ruth Benedict, neste capítulo, detalha muito bem como são as preces em forma de canções e suas letras.  

Posteriormente, a antropóloga relata sobre a estrutura dos sacerdócios. Primeiramente, é importante notar que os sacerdócios possuem seu programa anual de objetos sagrados como danças, preces, retiros e etc. A sociedade do deus mascarado da tribo possui posses e práticas calendáricas iguais, e estas últimas culminam na grande cerimônia de inverno do deus mascarado tribal, a Shalako. As sociedades dos curandeiros também funcionam o ano inteiro e têm sua cerimônia culminante anual, porém, pela saúde da tribo. Além desses dois, há também o culto da fertilidade, por qual os zunhi dedicam preces constantemente. Estes três cultos principais da vida cerimonial dos zunhi não são mutuamente excludentes. Um homem pode ser – e muitas vezes é – membro de todas as três cerimônias durante grande parte da sua vida.

Os sacerdócios situam-se no mais alto nível de santidade nessa sociedade. Há quatro sacerdócios maiores e oito menores. Eles não celebram cerimônias públicas em tal condição, mesmo que sua presença seja necessária em vários ritos ou caiba a eles dar os primeiros passos essenciais na realização. Seus retiros só são iniciados em junho, quando há necessidade de chuva para os pés de milho. Eles devem sentar-se imóveis, concentrando o pensamento em coisas cerimoniais, durante oito dias para os sacerdócios maiores e quatro para os menores. Os líderes dos sacerdócios maiores, com o sacerdote-líder do culto do sol e os dois sacerdotes-líderes do culto da guerra, formam o corpo diretor – o conselho – de Zunhi, sendo Zunhi uma teocracia com tudo que isto implica. Como os sacerdotes são homens santos, eles jamais podem sentir raiva enquanto se desincumbem de suas obrigações. Assim, passo que os sacerdócios possuem o maior nível de santidade, o culto dos deuses mascarados é muito popular e o mais querido pelos zunhis.

Ruth Benedict nos conta, neste capítulo, o culto dos deuses mascarados de forma bastante precisa. Há dois tipos de deuses mascarados: os deuses mascarados propriamente ditos, os kachinas, e os sacerdotes kachina. Estes últimos são líderes do mundo sobrenatural e são representados com máscaras por bailarinos zunhis. Os deuses dançantes são entes sobrenaturais alegres e camaradas que vivem no fundo de um lago muito distante no deserto desabitado ao sul de Zunhi. Eles estão sempre dançando lá, mas preferem voltar a Zunhi para dançar. Portanto, representá-los é dar-lhes o prazer de que eles mais desejam. Além do mais, as danças dos deuses são administradas e realizadas por uma sociedade tribal de todos os homens adultos. A sociedade tribal dos homens compõe-se de seis grupos, e cada um possui sua kiva, e cada uma dessas kivas possui seus funcionários, suas próprias danças e seu conjunto de membros.

Ser membro das kivas, segundo Ruth Benedict, resulta da escolha do pai cerimonial no nascimento do menino. Contudo, a iniciação só ocorre quando a criança tem de 5 a 9 anos, assumindo aí a condição cerimonial pela primeira vez. Os kachinas chicoteiam as crianças com chibatas de iúca. É um rito de exorcismo “para tirar acontecimentos ruins”. Depois, por volta dos catorze anos, já com idade para ser responsável, o rapaz volta a ser chicoteado por deuses mascarados mais fortes. Logo após isso, a máscara é posta no menino, e ele descobre que os bailarinos não são entes sobrenaturais do Lago Sagrado, mas seus vizinhos e parentes. Após as chibatadas finais, os quatro rapazes mais altos têm de ficar frente a frente com os kachinas assustadores que os açoitaram. Os sacerdotes tiram suas máscaras e colocam nos meninos, sendo um momento de grande revelação. Logo depois, os garotos recebem a ordem de chicotear os kachinas. “Esta é a sua primeira lição prática sobre a verdade de que, como mortais, eles devem desempenhar todas as funções que os não iniciados atribuem aos entes sobrenaturais.” (BENEDICT, 2013, p. 71)

A antropóloga passa também por uma questão interessante na estrutura social, que é sobre as mulheres. A quantidade de mulheres é menor que a de homens. A casa pertence a mulher e, para os zunhi, ela nunca ficará descasada, caso ocorra de se divorciar. Outro homem sempre estará disposto, visto que é mais honroso ficar com uma esposa do que permanecer na casa da mãe. Caso a mulher largue do marido, ela pode deixar os pertences do mesmo na frente da porta para ele pegar e partir de volta para a casa da mãe. Quando de volta a casa da mãe, o homem e sua família choram pelo fim do casamento, mas o novo arranjo de habitações gera apenas um fugaz mexerico.

Já ao final do capítulo, Ruth Benedict irá passar pela questão do sexo e da concepção de universo para os zunhi. A posição quanto ao sexo, em Zunhi, é como em certos padrões puritanos, com alguns contrastes mais notáveis do que as semelhanças aos nossos padrões puritanos. Eles não conhecem o pecado no sexo e nem veem o sexo como forma de tentações às quais se devem resistir, além de desprezarem a castidade como modo de vida. Em suas lendas, ninguém é tão criticado quanto as moças que rejeitam o casamento. Elas ficam em casa e trabalham para evitar as ocasiões em que deveriam ser justamente admiradas pelos homens. Entretanto, os deuses descem e, apesar dos obstáculos, conseguem dormir com elas e instruí-las no prazer e na humildade. Por estes “amáveis meios disciplinares” eles fazem com que a moça aceite no casamento a digna felicidade dos mortais. Benedict ainda aponta que as relações cordiais entre os sexos são apenas um aspecto das cordiais relações entre os seres humanos. Onde fazemos distinções elementares, eles elogiam falando “todos gostam dele, porque ele vive mexendo com as mulheres”. Ou criticam alegando que “ninguém gosta dele, pois ele nunca mexe com mulheres.” O sexo é um incidente na vida feliz.

E por fim, os zunhis não concebem o universo como um embate entre o bem e o mal, pois não são dualistas. Os pueblos adaptaram a noção europeia de feitiçaria, que não resulta de uma majestade satânica que se opõe a um Deus bom. Eles adaptaram-na no seu próprio esquema, e o poder do feiticeiro não é suspeito por ser conferido pelo diabo, mas porque ele “monta” em quem o possui e, uma vez assumido, não pode ser abandonado. Além disso, qualquer outro tipo de poder sobrenatural é assumido para a ocasião que o requer. Nós temos a dificuldade de afastar nossa concepção de universo como luta entre o bem e o mal e vê-lo como os pueblos o veem. Eles não veem a morte como uma negação e nem as estações e a vida do homem como uma corrida da vida contra a morte. As estações sucedem-se diante de nós, e o mesmo acontece com a vida humana. Os pueblos possuem um senso de unicidade do homem com o universo.

Ruth Benedict, já no fim do capítulo, conclui sobre esses povos que “numa pequena, embora antiga ilha cultural da América do Norte, eles [os pueblos] fizeram uma civilização cujas formas são determinadas pelas escolhas típicas dos apolíneos, para quem todo prazer está na formalidade e cujo estilo de vida é o da moderação e da sobriedade” (BENEDICT, 2013, p. 118). Essa análise feita pela autora sobre os pueblos é demandada pelo argumento que a mesma trás no capítulo anterior, onde ela apresenta a ideia de que devemos estudar povos “primitivos” por ser como recorrer a um atalho para chegar à uma necessária compreensão de nossos processos culturais sem o menor esforço.

 

REFERÊNCIAS: BENEDICT, Ruth. Padrões de Cultura. Petrópolis. Vozes, 2013.

 

 

 

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