Ruth Benedict - Padrões de Cultura - Cap. V: Dobu

Trata-se da Ilha de Dobu, Costa da Nova Guiné (Melanésia Norocidental). Próxima às Ilhas Trobiand, aquelas do trabalho de Bronislaw Malinowski. 

A ilha Dobu tem afloramentos vulcânicos rochosos que abrigam escassos bolsões de solo e proporcionam pouca pesca. Os dobuanos enfrentam dificuldades, ao contrário dos vizinhos trobiandeses. São obrigados a trabalhar como aprendizes e estão acostumados a uma alimentação ruim e escassa, e a alimentação que recebem como operários proporcionam certa harmonia entre eles. Sua fama é de perigosos canibais, traiçoeiros e indisciplinados. 

Dobu não tem chefe nem organização política. Suas formas sociais estimulam a malevolência e a perfídia, virtudes reconhecidas da sua sociedade. Porém não se pode considerar que vivem em estado de anarquia, (homem natural de Rousseau), mas porque sua organização permite determinadas formas tradicionais de hostilidade. Ninguém faz justiça pelas próprias mãos, exceto para pôr em prática as hostilidades culturalmente permitidas dentro do grupo específico correto. Estas formas de hostilidade às vezes causam doença e morte, então eles recorrem à adivinhação de outra aldeia inimiga, para descobrir os culpados. O uso da magia é indispensável na sociedade e os bruxos e feiticeiros são as pessoas de maior convívio. 

No entanto, destaca-se o susu, (leite de mãe) um grupo da linha materna que não se dissolve. Em vida, eles possuem jardins e moradias numa aldeia comum. Ao morrerem, são enterrados num lote comum em terra ancestral. A privacidade é estritamente observada desde a entrada na aldeia, por uma trilha específica destinada a pessoas autorizadas. Em Dobu as reuniões e festejos não são praticamos indiscriminadamente. Ao contrário dos trobiandeses, não toleram a presença de estranhos, devido a uma bruxaria invejosa. 

O casamento é com alguém de fora, e mesmo assim não diminui a hostilidade do grupo. É a sogra quem rapta o rapaz que dorme com sua filha para garantir que eles se casem. Ela fica na porta da casa à espera para que ele seja capturado e levado para a celebração pública. Os aldeões da linha materna da moção esperam o casal descer e sentar numa esteira no chão. Depois, a sogra dá ao rapaz uma cavadeira e ordena que trabalhe em fazer uma horta. Os sogros o vigiam enquanto cozinha e comem. Isto representa a submissão do rapaz à aldeia da moça. O rapaz assume a função de trabalhar duplamente, para o seu sogro e para sua família. 

Quando conseguem juntar os objetos de valor para o casamento a família do noivo faz uma comitiva. O pai do noivo não vai, assim como os maridos e as esposas dos integrantes da comitiva e os filhos de todos os homens. Eles entregam os presentes ao susu da noiva. Não nenhum gesto amigável entre os dois grupos. Na cerimônia de casamento o noivo recebe um bocado de comida da sogra, na aldeia dela, e a noiva, do mesmo modo, recebe comida de sua sogra na aldeia de seu marido. O casamento estabelece novas regras, um novo grupo. 

Desde o casamento até a morte, o casal vive alternadamente um ano na aldeia do marido e um ano na aldeia da esposa. Por isso as aldeias dobuanas se dividem em dois grupos: os Donos da Aldeia (dominante) e os filhos do Dono do sexo masculino (forasteiros). A sociedade dobuana exige que, durante o ano que passa na aldeia do cônjuge, o esposo que está em território estrangeiro desempenhe um papel de humilhação. Por razões diversas quando uma pessoa usa os nomes, isto significa que ela pode tomar consideráveis liberdades na sociedade dobuana. O adultério é uma prática comum e quando se trata do marido, ele quebra as panelas da esposa e esta, ela maltrata o cachorro do esposo. 

Cada cônjuge cultiva sua própria horta, plantada com inhames-semente da sua linha hereditária, e a faz crescer mediante sortilégios individuais e secretos pertencentes à linhagem de seu susu. Na posse hereditária dos inhames e para eles na horta de uma pessoa só vingarão inhames da linhagem sanguínea dessa pessoa, crescendo com a ajuda dos sortilégios mágicos que descenderam com a semente. O maior crime em Dobu é alguém comer seus próprios inhames-semente. É uma perda irreparável. Seria impossível para o marido ou a mulher ter sucesso, pois os inhames não provenientes da sua estirpe matrilinear não cresceriam em sua horta. Cada cônjuge tem sua hora e o malogro da horta de um ou outro traz profundo ressentimento e dá origem a desavenças conjugais e divórcios. 

Na religião, os dobuanos expressam sua violência. Nenhum resultado é possível sem magia, e por isso religião e magia expressam a necessidade de sortilégios mágicos para obter qualquer tipo de resultado. Cada homem tem direito às fórmulas do irmão da mãe, mas não se pode ensinar um sortilégio a mais de um membro do clã. Nenhum sortilégio pode ser ensinado a dois filhos da irmã de seu possuidor, e é a este que cabe escolher entre seus possíveis herdeiros. Feitiços causadores de doença e mágicas amorosas são de ampla aplicação. Os sortilégios devem ser seguidos ao pé da letra para terem efeito. Os sortilégios caracterizam-se pela malevolência e pelo grau em que exprimem a crença dobuana de que um homem só ganha quando outro perde. 

Em Dobu a horticultura é uma competição tão acirrada quanto a luta por uma herança. O homem vigia sua horta até a colheita e usa dos sortilégios para que seus inhames sejam preservados e os do vizinho lhe cheguem. A horta é tão privativa que os casais podem fazer sexo nelas. Se tiver boa safra, é tomado como expressão de roubo e é feita às escondidas. 

Quanto aos sortilégios de doença, cada um é específico para cada doença. Os seus possuidores são invejados, são eles que ditam a cura e a doença. Oferecem o esconjuro nos excrementos da vítima ou numa planta rasteira no caminho do inimigo, ficando à espreita para certificar-se de que a vítima realmente toque nela. Ao proferir as palavras ele imita os estágios finais da doença que quer infligir. Ao se ver atingida por uma doença, a pessoa manda procurar quem lhe infligiu o mal. É o único jeito de evitar a morte e só se pode curar ou mitigar a doença com o correspondente exorcismo, do mesmo feiticeiro, que não visita o doente pessoalmente. Os dobuanos usam estes feitiços de doença livremente e com objetivos característicos. Um simples sinal de propriedade em bens ou árvores, tem a magia capaz para contaminá-los com a doença que lhes pertence. O medo, por esta razão se torna paranoia.

Nas trocas comerciais dobuanas tem-se o sexo e as posses materiais. O das trocas materiais se inscreve no circuito Kula. Todo ano, na pausa no trabalho agrícola após o plantio do inhame e antes que seja preciso vigiá-lo magicamente para mantê-lo na horta, as canoas de Dobu partem na expedição Kula rumo ao norte e ao sul. O diferencial é o ardil utilizado para conseguir braceletes. O wabuwabu é esta forma de ardil para obter muitos colares de concha de vários lugares ao sul dando em penhor um bracelete deixado em casa no norte ou, vice-versa, prometendo o único bem valioso que se possui a muitas pessoas em troca pelos presentes a elas solicitados. Esta prática é invejada por aqueles que tem sucesso neste tipo de convencimento ardiloso e é usada além do Kula. Outra forma é a da troca marital entre os bens que são trocados pelas famílias, agora dentro da localidade. Se ele estiver em vantagem nas trocas ele rompe o noivado e tenta sair impune para provar que a força de sua magia é mais forte. Se conseguir, será invejado pela aldeia. 

Mas é na morte que as crenças dobuanas apresentam vigor. Eles acreditam que a pessoa com quem o falecido compartilhava a cama é que deve ser culpada pela doença que causou a morte. No caso do marido, ele usou seus feitiços causadores de doença; no caso da mulher, ela se valeu de bruxaria. Em Dobu, a mulher é tão temida pelo marido quanto o marido é temido pela mulher, mas em geral ela é apontada pela morte do marido, apesar de comumente o adivinhador apontar ambos. 

Quando um dos cônjuges adoece gravemente, os dois devem mudar-se de imediato para a aldeia do doente se nesse ano estão vivendo na aldeia do outro cônjuge. A morte deve acontecer lá, se possível, onde o cônjuge sobrevivente está sob o domínio do susu do finado. Ele é o inimigo dentro do bivaque, a bruxa ou o feiticeiro que causou a brecha nas fileiras opostas. O susu forma uma frente compacta ao redor do corpo de seu morto. Só eles podem tocar o cadáver ou realizar qualquer das tarefas de sepultamento. Só eles podem prantear pelo morto. O cônjuge fica rigorosamente proibido de ver qualquer destes atos. A casa do morto fica vazia e abandonada, para nunca mais ser usada. 

O cônjuge sobrevivente tem o corpo pintado com carvão das fogueiras e é pendurado pelo pescoço a uma corda preta, o símbolo do luto. Primeiro ele passa um ou dois meses sentado no chão do recinto escuro. Depois ele trabalha na horta de seus sogros como no tempo do noivado. Também trabalhará nas hortas da esposa morta e dos irmãos e irmãs dela. Não recebe remuneração alguma e o trabalho de suas hortas tem de ser feito por seus irmãos e irmãs. Não tem permissão para sorrir nem para participar de trocas de alimentos. Quando o crânio é retirado do túmulo e os filhos da irmã do morto dançam com ele, o esposo não deve olhar para os dançarinos. O filho da irmã guarda o crânio e o espírito é enviado cerimoniosamente para a terra dos mortos. De maneira similar, a viúva fica em submissão aos parentes do marido morto. 

O cônjuge enlutado tem de ser libertado da submissão mediante pagamentos adicionais de seu clã ao clã da falecida. Eles trazem o presente de inhames crus, e os homens parentes da falecida cortam a corda que simboliza o luto e lavam o corpo do cônjuge para tirar o carvão. É chamado de Maiwortu. 

A tradicional desconfiança entre a aldeia da sobrevivente e a do morto não significa, obviamente, que o cônjuge supérstite seja considerado o assassino. No entanto, é a inveja e o ressentimento que expressam a prática do luto. Eles sempre se receiam de envenenamento. Por outro lado, as convenções dobuanas excluem o riso e fazem da tristeza uma virtude. Ser feliz é um tabu. O dobuano é austero, pudico e apaixonado, consumido pelo ciúme, a suspeita e o ressentimento. Para ele, todos os seus momentos de prosperidade foram arrancados de um mundo maligno num conflito em que ele venceu seu adversário. O homem bom é aquele que tem muitos conflitos desse tipo no seu haver, o que é evidente porque ele sobreviveu com certo grau de prosperidade. Bruxaria e feitiçaria não são atividades criminosas, de modo algum. Um homem estimado não poderia existir sem elas. O homem mau, por sua vez, é aquele que foi ferido na sorte ou num membro nos conflitos em que outros conquistaram sua supremacia. O conflito traiçoeiro é o ideal ético em Dobu e mesmo por demonstração de amizade, em todo campo da vida, o dobuano acredita que nada pode esperar além de traição. A vida em Dobu encoraja formas extremas de animosidade e malvadeza que a maioria das sociedades minimizou por meio de suas instituições. Por sua vez, as instituições dobuanas estimulam essas condutas no mais alto grau.

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