Ruth Benedict - Padrões de Cultura - Cap. VI: A Costa Noroeste da América do Norte

Devido ao desaparecimento de grande parte da cultura da Costa Noroeste, restam apenas informações dos índios da faixa do litoral do Pacífico do Alasca ao estuário Puget e os kwakiutl da Ilha de Vancouver. 

Excetos os pueblos (costa sudoeste) as demais tribos eram dionisíacas, cujo objetivo final era o êxtase e encontrar os espíritos sobrenaturais. Era uma forma de adentrar numa sociedade secreta cobiçada, a Sociedade Canibal. A iniciação era o ritual de Dança canibal. O canibalismo dos kwakiutl estava no extremo oposto do canibalismo epicurista de muitas tribos da Oceania ou do habitual consumo de carne humana na dieta de muitas tribos da África. 

Considerava-se muito maior a contaminação da carne dos cadáveres preparados e dos escravos mortos para as cerimônias canibais do que a da carne mordida de braços vivos. A própria repugnância que os kwakiutl sentiam por comer carne humana fazia com que vissem nesse ato uma adequada expressão da virtude dionisíaca que reside no terrível e no proibido. A dança com o cadáver era repetida ao longo do período de êxtase do Canibal. Talvez a técnica dionisíaca mais surpreendente do Cerimonial de Inverno seja a que finalmente amansa o Canibal e dá início a seu quadrimestre de tabu. 

O padrão cultural resultava do intricado entrelaçamento de suas ideias sobre propriedade e manipulação da riqueza. As tribos da Costa Noroeste tinham grandes posses e a propriedade destas posses era estrita.

Havia, porém, propriedade ainda mais estimada e possuída de outra maneira. Chamadas pilares de casa, colheres e penachos heráldicos, mas na sua maioria eram posses imateriais, nomes, mitos, canções e privilégios que constituíam o grande motivo de orgulho de um homem rico. Os títulos de nobreza eram a maior destas prerrogativas e a base de todas as demais. Cada família e cada sociedade religiosa tinham uma série de nomes titulares que as pessoas assumiam segundo seus direitos de herança e sua capacidade financeira. Estes títulos davam a eles a condição de nobreza na tribo. Ao adotar um nome como esses, a pessoa assumia em si mesma toda a grandeza dos ancestrais que o tinham usado em suas vidas, e ao conferi-lo a seu herdeiro ela necessariamente abdicava de todo direito de usá-lo como seu nome. 

Estas posses eram o meio circulante de um complexo sistema monetário que funcionava por meio da arrecadação de altíssimas taxas de juros. Toda pessoa de alguma importância em potencial, homem ou mulher, passava a tomar parte nessa competição econômica ainda na primeira infância. Os nomes indicavam as relações de sua família, suas riquezas, sua posição na estrutura tribal. Qualquer que fosse o motivo da potlatch, (cerimônia, ritual de oferta e distribuição de riquezas) quer um casamento, a maturidade de um neto ou um desafio intertribal a um chefe adversário, o anfitrião aproveitava a ocasião para validar a adoção de um novo nome e suas prerrogativas, quer para si próprio ou para um herdeiro. O casamento desempenha o papel mais importante. 

Entre os kwakiutl, a organização religiosa se organizava em linhagens que possuíam os títulos de nobreza, e em sociedades com poderes sobrenaturais, (Canibais, os Ursos, os Tolos, etc). Este jogo de validação e exercício de todos os títulos e prerrogativas que se podiam adquirir por herança dos diversos antepassados, por doação ou por casamento era o que constituía a principal ocupação dos índios da Costa Noroeste. Canções, mitos, nomes de pilares de casa dos chefes, de seus cães ou de suas canoas eram riqueza. Privilégios estimados como o direito de amarrar um dançarino num poste ou trazer sebo para os dançarinos o esfregarem no rosto, ou pedaços de casca de cedro para eles se limparem, eram riqueza legada aos descendentes nas linhagens familiares. 

A razão pela qual os homens da Costa Noroeste se importavam com títulos de nobreza, riqueza, penachos e prerrogativas demonstra sua motivação cultural principal: humilhar os rivais. Em tudo (organização social, instituições econômicas, religião), os kwakiutl visavam mostrar-se superiores a seus rivais. Eles ostentavam essa vontade de superioridade da forma bastante escancarada, glorificando-se e ridicularizando todos os que se apresentassem. Eram megalomaníacos. 

O sistema econômico todo da Costa Noroeste estava a serviço desta obsessão. Esta vontade de superioridade que podia atingir tamanha dimensão na Costa Noroeste era expressa em cada detalhe das transações em potlatches. Estes índios concebiam o homem ideal em função dessas competições e todas as motivações adequadas a elas eram consideradas virtude. Também o casamento na Costa Noroeste se tornara um método formal de transferência de privilégios e era como uma transação comercial. Se houvesse insatisfação entre as duas partes da troca matrimonial, podia desencadear-se um conflito aberto entre o genro e o sogro. O homem que por si mesmo não herdasse títulos de nobreza podia aspirar a conquistar uma posição casando-se com uma mulher de classe mais elevada. 

O casamento não era a única maneira possível de se adquirir prerrogativas. O meio mais respeitado era o assassinato do dono. O assassino adquiria o direito à dança, pondo-o à disposição de seu chefe ou irmão mais velho, que iniciava seu sobrinho ou filho e lhe outorgava o nome e a dança do homem morto. Esse meio de transferência implicava, obviamente, que o novo dono conhecesse, antes de matar o anterior, a cerimônia toda, com as letras das canções, os passos das danças e o uso dos objetos sagrados. Não era o conhecimento da cerimônia o que ele adquiria, mas o título que lhe conferia a propriedade dessa cerimônia. 

Também se conseguia privilégios matando seres sobrenaturais, ganhando dele sua cerimônia e sua máscara. Outro método ainda era se tornar praticante religioso. Ao se tornar um xamã, o homem era iniciado pelos seres sobrenaturais, não pelo pai nem por um tio, e obtinha os nomes e privilégios reconhecidos conferidos pelo visitante espiritual. O modo tradicional de se tornar xamã era mediante a cura de uma doença grave. Os xamãs usavam suas prerrogativas como os chefes e os nobres usavam as deles, numa competição de prestígio. Cada xamã tinha um ajudante espião, e seu trabalho consistia em misturar-se com as pessoas e informar ao seu patrão em que parte do corpo as pessoas doentes sentiam dor. Em toda cura geral, portanto, os xamãs mostravam seu poder adivinhando que as almas dessas pessoas precisavam ser recuperadas. Os espiões viajavam de canoa para muito longe levando mensagens interpretadas como inspirações dos espíritos. 

O xamã tinha de validar suas prerrogativas distribuindo propriedade; quando ele efetuava uma cura a sua recompensa dependia da riqueza e da posição social da família do doente, como em qualquer distribuição de propriedade. O xamanismo facilita a obtenção de riqueza e era um meio de alguém obter sem herança nem compra obter privilégios valiosos que podia usar para elevar a sua posição social. 

Em todos os aspectos do comportamento das pessoas na Costa Noroeste prevalecia a necessidade de demonstrar a própria grandeza e a inferioridade dos rivais. Isto era feito com irreprimida autoglorificação e despejando zombarias e insultos sobre os adversários. As transações econômicas, o casamento, a vida política e a prática religiosa ocorriam em função de afrontas dadas e recebidas. 

A morte era para eles a afronta suprema, era enfrentada como se enfrentava qualquer acidente grave, distribuindo e destruindo propriedade, caçando cabeças e com o suicídio. Os kwakiutl lidavam com o luto com os mesmos métodos que usavam no casamento, na aquisição de poderes sobrenaturais ou numa disputa. Havia uma maneira mais extrema de se encarar a afronta da morte: a caça de cabeças. A caça de cabeças era chamada de “matar para enxugar os próprios olhos” e era uma forma de ir à forra fazendo outra família prantear. 

A morte, como quaisquer outros acidentes desafortunados da existência, destruía o orgulho do homem e só podia ser encarada como humilhação. A escolha da pessoa cuja morte era decidida para apagar a morte de outra se baseava numa única consideração: que sua posição social fosse equivalente à da pessoa morta. 

Já o suicídio era relativamente frequente, e em geral por vergonha. Mesmo se a morte da pessoa humilhada não resulta de suicídio, é habitual ela ser considerada decorrente da vergonha. O xamã vencido na prestidigitação na dança curativa, o chefe derrotado na quebra de cobres e o rapaz vencido num jogo, de todos se dizia que tinham morrido de vergonha. 

O amuo e o suicídio na Costa Noroeste eram o complemento natural das principais preocupações. Todas as recompensas de sua sociedade eram concedidas à pessoa que conseguia lidar com a vida. odos os incidentes, tanto os atos dos semelhantes quanto os acidentes ministrados pelo ambiente material, ameaçavam primeiro e acima de tudo a segurança do próprio ego, e havia técnicas definidas e específicas para o indivíduo se restabelecer após o golpe. Se ele não podia se valer dessas técnicas, não lhe restava recurso a não ser morrer. 

Por fim, finaliza a autora que embora o comportamento humano que a Costa Noroeste considere anormal na nossa civilização, ele é suficientemente próximo das atitudes da nossa cultura como a tendência paranoica megalomaníaca.

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