Ruth Benedict - Padrões de Cultura - Cap. III: Integrações de cultura

Terceiro capítulo da obra Padrões de Cultura, de Ruth Benedict, Integrações da Cultura é um capítulo amplo em conteúdo, contendo algumas análises da autora sobre os padrões que criam algumas regras e mantém as culturas através de padrões de comportamentos. Apesar de curto, possui uma grande importância no ato de compreender a ideia que a autora deseja passar através da obra antropológica desta que foi um dos grandes nomes da antropologia.

Inicialmente, a autora busca nos mostrar que há uma certa relatividade entre as culturas. Ela nos dá o exemplo do ato de matar, que pode ser condenado em várias culturas. Entretanto, Ruth Benedict nos mostra que isso não se faz presente em todas elas, tendo em vista que em outras diversas culturas o responsável por cometer homicídio pode ser inocente se países vizinhos cortaram relações diplomáticas, ou se é costume matar os dois primeiros filhos, dentre outros casos. Além do homicídio, ela nos exemplifica a questão do suicídio, que pode ser o ato mais nobre que um homem sábio pode realizar ou um ato de hilaridade incrédula, variando de acordo com as culturas. Entretanto, a autora nos aponta que essas diversidades de costumes no mundo não é um assunto que podemos simplesmente relatar de forma perplexa. Segundo a autora, a análise do significado do comportamento cultural não se exaure com a clara compreensão de que ele é local, artificial e imensamente variável. Ele tende a ser integrado. Nessa perspectiva, temos a noção de que ocorre uma integração do comportamento cultural, contrariando certas noções de antropólogos anteriores. A autora conclui esta ideia afirmando que, do mesmo modo que um ser humano, uma cultura é um padrão de pensamento e ação mais ou menos coerente. Além disso, a antropóloga nos mostra que em cada cultura surgem alguns propósitos próprios de algumas sociedades que não são necessariamente compartilhados por outros tipos de sociedade, e que, obedecendo a tais propósitos, cada povo vai solidificando suas experiências e que, na medida de urgência desses impulsos, os aspectos comportamentais vão se tornando mais coincidentes. Ainda assim, esses atos, quando adotados por uma cultura bem-integrada, passam a ser característicos dos objetivos específicos dessa cultura. Entretanto, Ruth Benedict nos explica que é necessário entender as motivações intelectuais e emocionais dessa sociedade para que possamos entender a forma assumida pelos atos anteriormente citados.

Posteriormente, a autora deixa clara a ideia de que as culturas não são somente a soma dos traços que as compõem, mas são mais que isso. A leitura de Ruth é interessante, pois a mesma nos dá exemplos de várias afirmações de suas ideias, como nesta, por exemplo, onde a mesma nos exemplifica que podemos saber tudo sobre a distribuição da forma de casamento, das danças rituais e da iniciação de puberdade numa tribo, mas mesmo assim podemos não compreender nada da cultura como um todo que se valeu desses elementos para seu propósito. O propósito escolhe aqueles que são possíveis de usar e modifica outros de acordo com sua necessidade. Além de tudo, essa integração de cultura não é mística, de modo algum. O exemplo que Benedict nos dá para comprovar isso é a semelhança com o surgimento dos processos artísticos: a cultura gótica descartou elementos incongruentes, modificou outro para adaptá-los a seus fins e inventou ainda outros que harmonizavam com seus critérios. Com isso, as tendências em modalidades técnicas locais passaram a se expressar mais ainda, integraram-se em normas muito mais definidas e o resultado foi a arte gótica.

Ruth Benedict utiliza este capítulo para fazer uma crítica à antropologia de sua época, afirmando que o trabalho antropológico daquela época estava muito atento à análise de traços culturais, e não ao estudo de culturas como conjunto articulados. A autora nos mostra que esta visão decorreu em grande parte da índole das descrições antropológicas precedentes, se dirigindo aos “antropólogos de gabinete”, visto que esses não escreviam com base no conhecimento direto de povos primitivos. Através dos detalhes trazidos por anedotas e missionários para estes antropólogos de gabinetes que foi possível inferir a distribuição do “costume de quebrar dentes” ou da adivinhação por vísceras. Entretanto, isso não possibilitou descobrir de que modo esses traços foram introduzidos em diferentes tribos em configurações características que devam forma e significado aos procedimentos. Ainda nessa discussão, a antropóloga nos exemplifica que a obra O ramo de ouro, de James Frazer, é um tipo de discussão analítica de traços e desconsideram todos os aspectos da integração cultural. Benedict ainda comenta que as práticas de acasalamento ou morte são exemplificadas mediante pedacinhos de comportamento escolhidos indiscriminadamente das mais diversas culturas, de modo que o estudo constrói um modelo de monstro de “Frankenstein” mecânico: um olho direito de Fiji, um esquerdo Europa, uma perna da Terra do Fogo e outra do Taiti, e ainda todos os dedos e artelhos de diferentes regiões. Desse modo, a figura obtida não corresponde a nenhuma realidade atual ou do passado, segundo a autora. Para uma melhor compreensão, a antropóloga nos dá o exemplo de que a dificuldade seria a mesma se a psiquiatria acabasse em um catálogo dos símbolos utilizados pelos psicopatas e deixasse de lado o estudo dos padrões de comportamento sintomático – esquizofrenia, histeria etc.- em que esses símbolos se inserem.

Também, neste capítulo, Ruth Benedict observa que o estudo antropológico da época estava muito atento, também, ao estudo da cultura viva, conhecimento de seus hábitos e as funções de suas instituições. A autora elogia o estudo de Malinowski sobre os trobriandeses, dizendo que este foi um dos primeiros e melhores estudos completos de um povo primitivo que fizeram possível a etnologia moderna. Entretanto, Ruth Benedict aponta que Malinowski contentou-se em ressaltar que os traços culturais têm um contexto vivo na cultura da qual fazem parte, que eles funcionam. Posteriormente, Benedict aponta que ele generaliza os traços de Trobriand, estendendo-os ao mundo primitivo como um todo, em lugar de reconhecer a configuração de Trobriand como um dos muitos tipos observados, cada um com seus arranjos característicos e específicos na esfera econômica, religiosa e doméstica.

Contudo, a escritora nos aponta, no capítulo, que os antropólogos estavam mudando o estudo do singular para o plural; a cultura primitiva para as diversas culturas primitivas, e as consequências destas mudanças estavam começando a se evidenciar. Ruth Benedict afirma que a importância do estudo da configuração como um todo em lugar da análise contínua de suas partes vinha sendo frisada em diversas áreas da ciência moderna. A autora dá exemplos de estudos dessa questão, como Wilhelm Stern, que fez dessa importância um elemento básico do seu trabalho em filosofia e psicologia, salientado que a totalidade indivisa da pessoa deveria ser o ponto de partida, além de criticar estudos atomizados e optando pela pesquisa da configuração da personalidade. A antropóloga nos mostra que a escola Stuktur dedicou-se por inteiro a trabalhos deste tipo também. Worringer também é citado pela autora, quando o mesmo mostrou a diferença fundamental que este tipo de abordagem faz no campo da estética, comparando a arte desenvolvida no período grego e no bizantino. Além desses exemplos anteriores, Ruth Benedict, devida à sua forte influência da psicologia, ainda mostra que a psicologia da Gestalt (configuração) fez também um dos trabalhos mais notáveis em justificar a importância de tomar o todo e não suas partes como o ponto de partida, onde os psicólogos gestálticos mostraram que na percepção sensorial mais simples nenhuma análise dos objetos individuais dessa percepção pode explicar a totalidade da experiência. Claramente ligado a ideia da autora de que os antropólogos não deveriam apenas entender os processos separadamente, mas como um todo, contrariando a noção dos antropólogos de gabinete, questão tratada por ela anteriormente.

E já nas páginas finais do capítulo, a autora se ocupa em falar sobre a importância da integração e da configuração, salientada por Wilhelm Dilthey. Dilthey analisa em sua obra, Die Typen der Weltanschauung, parte da história do pensamento para ressaltar a relatividade dos sistemas filosóficos, considerando-os grandes expressões da diversidade da vida, de estados de ânimo, Lebensstimmungen, atitudes integradas das quais categorias fundamentais não podem ser convertidas uma em outra. A obra de Oswald Spengler, A decadência do Ocidente é citada também pela ideia apresentada na obra sobre a tese da sina das civilizações, que é defendida com base na mudança de centros culturais na civilização ocidental e na periodicidade das grandes realizações culturais. Para Spengler, toda civilização tem sua juventude viçosa, sua virilidade vigorosa e sua senectude desintegradora. Além disso, Ruth Benedict comenta que a análise mais valiosa e original do autor é a das configurações contrastantes na civilização ocidental, distinguindo duas grandes ideias de destino: o homem apolíneo e o fáustico. A ideia de um desenvolvimento interior da personalidade, no homem apolíneo, era estranha e ele via a vida sob a sombra da sempre brutal ameaça externa de catástrofe. Já o homem fáustico tinha a ideia de que sua versão do curso da vida individual é o de um desenvolvimento interior, e as catástrofes da existência vêm como inevitável culminação de suas escolhas e experiências anteriores. A visão fáustica e a apolínea são interpretações opostas da existência, causando estranhamento de um para o outro em seus valores. Na observação que Ruth Benedict faz sobre a análise de Spengler, ela aponta que a civilização do mundo clássico foi construída com base na visão apolínea da vida, ao passo que o mundo moderno realiza as implicações da visão fáustica em todas as suas instituições. Parte desse argumento faz com que Benedict faça uma crítica as obras de Spengler, visto que ele deixa uma impressão confusa pelos modos de apresentação, e que não existe somente homens fáusticos na civilização moderna, mas há homens enérgicos e de ação também. A autora ainda conclui sua crítica afirmando que não se deve considerar a análise de Spengler como definitiva, pois é possível delinear outras descrições, e onde pesem a exatidão e a importância das ideias do autor, a tentativa de interpretar o mundo ocidental resultaria em confusão.

Finalizando o capítulo, Ruth Benedict argumenta sobre o porquê de estudar os povos primitivos. Benedict afirma que os fatos culturais mais simples podem esclarecer fatos sociais que de outra maneira se mostram desconcertantes e insuscetíveis de demonstração. Para a autora, o estudo de povos mais simples seria maneira de se compreender melhor o problema da formação dos padrões de hábitos das pessoas sob a influência do costume tradicional ou comum. Seria como recorrer a um atalho para alcançar a necessária compreensão de nossos processos culturais sem o menor esforço. No material mais simples, a complexa organização física do ser humano é de transparente evidência, o que facilita o estudo. A autora expressa a ideia de que precisamos de toda a informação que pudermos obter com o estudo da organização do pensamento e do comportamento em grupos menos complicados. Nessa perspectiva, a antropóloga escolhe três civilizações primitivas que ela descreverá com detalhes posteriormente. Segundo ela mesma, “é mais esclarecedor compreender umas poucas culturas como organizações coerentes de comportamento do que abordar muitas tocando apenas seus pontos de maior destaque” (BENEDICT, 2013, p. 60).

 

REFERÊNCIAS: BENEDICT, Ruth. Padrões de Cultura. Petrópolis. Vozes, 2013.


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