Ruth Benedict - Padrões de Cultura - Cap. VII: A natureza da sociedade
No capítulo VII a autora nos remete à diferença existente entre as culturas, especificamente de Zunhi, Dobu e dos kwakiutl, que segundo ela, não se devem apenas às diferenciações entre atos ou crenças, o comportamento destas culturas está diretamente ligado ao que suas instituições promovem. Se diferem não só por características presentes em uma ou ausentes em outra, é certo que percorrem diferentes caminhos rumo a diferentes fins e seus meios não são comparáveis em si.
“Elas percorrem diferentes estradas com rumo a
diferentes fins, e estes fins e aqueles meios numa sociedade não podem ser
julgados de acordo com os de outra sociedade porque eles são intrinsecamente
incomparáveis" (pág - 153)
Não há um padrão equilibrado e
rítmico no que concerne ao comportamento cultural, suas atividades não estão
subordinadas a uma motivação que se sobressai, elas se dissipam, dado momento
visam determinados objetivos, em outros se esquivam por algum caminho diferente
de tudo que passou antes e não fornecem demonstração do que virá após.
“Se num momento parecem
estar visando a certos objetivos, em outro estão se desviando por alguma
tangente incongruente com tudo o que se passou antes, o que não fornece pistas
à atividade que virá depois.” (pág. 153)
Pode-se dizer que
da mesma forma que a falta de integração cultural parece ser uma característica
notável em determinadas culturas, a extrema integração também assim se faz
presente e não são resultados das mesmas circunstâncias.
“Tribos como as do
interior da Colúmbia Britânica incorporaram traços de todas as civilizações
circundantes.
[...]
Nada avança o bastante para
dar corpo à cultura.
[...] foram
indiscriminadamente influenciadas por muitas tendências diferentes, os padrões
de comportamento dessas tribos são desconexos e fortuitos.”(pág – 153)
No que concerne à falta de integração
nestas tribos da Colúmbia Britânica, estão além da simples presença simultânea de traços colhidos de diversos povos
vizinhos. Nota-se então que não há uma resposta psicológica no sentido de
prevalecer a cultura como um todo, suas metas e motivações correspondem a seu
campo limitado e não se estendem á totalidade da vida do povo, afirmando assim
sua falta de integração.
Contudo, a autora enfatiza no sentido de que a
identidade desta integração é estranha à nossa percepção sendo difícil de
perceber e quando estas dificuldades forem vencidas, provavelmente a
importância da integração cultural fique mais límpida. Enfatiza sobre o perigo
das generalizações simplista quando se trata da integração cultural. Justifica
que o prévio conhecimento de determinada cultura, pode ser um obstáculo á sua
verdadeira compreensão, ou seja, o etnólogo deve ser objetivo, narrando todo o
comportamento, tomando cuidado para não selecionar fatos que se encaixam a
determinada tese, entre outra palavras devem manter-se em imparcialidade para
que seu estudo não seja tendencioso. (pág. 156)
Ressalta a importância dos
benefícios opostos das culturas, e suas diferentes intenções em relação às suas
instituições, que conotam elemento essencial para compreensão das diferentes
ordens sociais, bem como a psicologia individual, criticando assim o erro
técnico cometido ao se comparar culturas primitivas ou simples com as culturas
modernas.
Faz uma crítica aos grupos de
sociólogos que conceberam a necessidade de estudo do grupo para além da soma de
seus membros e também aos que não viram esta necessidade, cita Durkhein,
Kroeber e Allport, ao final reverbera que os sociólogos tentaram demolir uma metodologia
que não lhes era útil ao seu trabalho.
Justifica sua crítica na passagem
abaixo:
“É óbvio que a soma de
todos os indivíduos em Zunhi constitui uma cultura que vai além do que eles
quiseram e criaram. O grupo alimenta-se da tradição, é “ligação com o tempo”. É
justificável dizer que ele é umtodo orgânico. É consequência necessária do
animismo que impregna nossa linguagem nós dizermos que tal grupo escolhe seus
fins e tem objetivos específicos; não se deveria usar isto contra o aluno como
prova de uma filosofia mística. Estes fenômenos de grupo têm de ser estudados
se quisermos compreender a história do comportamento humano, e a psicologia
individual por si mesma não pode explicar os fatos com que nos deparamos.”
(pág. 158)
Assim, demonstra que além dos
fatores da psicologia individual, devemos levar em consideração também os
fatores históricos, sustentando que somente a história em seu sentido mais amplo
pode explicar as aceitações e rejeições sociais.
Ressalta
que a história não é algo que possa ser descoberto por introspecção; que a
concepção de cultura, explicada pelo do sistema econômico e bélico, dentre
outros, soam falsas aos antropólogos. Isto porque, “tanto a história como a psicologia são necessárias em diferentes pontos
da interpretação de formas culturais; não se pode fazer uma realizar o trabalho
da outra.”
Neste sentido,
esta interpretação, segundo a autora, conduz a uma das questões mais
controversas da antropologia configuracional, que trata do conflito quanto as
bases biológicas dos fenômenos sociais, não podemos negá-la, porém, segundo a
autora, esta seara carece de estudos. O que se percebe é que não se pode negar
a presença do elemento fisiológico, e que eles estão presentes mesmo que não
tenham tido importância no resultado final, contudo afirma a dinamicidade dos
fatores históricos. (pág. 160)
De acordo com a autora, através da
psicologia experimental, em experimentos realizados em nossa sociedade, foi
possível observar que o indivíduo está condicionado aos determinantes sociais,
e que estes refletem os traços de sua personalidade, seja pelo caráter da
honestidade ou liderança, ou seja, o indivíduo sofre influências das
instituições as quais está inserido, que pode ser observado no trecho seguinte:
“
Numa situação experimental, a honestidade quase não deu indicação de se a
criança trapacearia contra outra. O que se viu foi que não há pessoas honestas
ou desonestas, mas situações honestas ou desonestas. Do mesmo modo, no estudo
sobre líderes ficou provado que inexistem traços uniformes que possam ser
considerados padrão mesmo em nossa sociedade.
O
papel desenvolvia o líder, cujas qualidades eram aquelas que a situação
ressaltava. Nestes
resultados “situacionais” ficou cada vez mais evidente que mesmo numa sociedade
seleta a conduta social “não é simplesmente a expressão de um mecanismo fixo
que predetermina um modo específico de conduta, mas sim um conjunto de
tendências que decorrem de diversas maneiras do problema específico com que nos
deparamos”.
[...]
Se
estamos interessados no comportamento humano, precisamos acima de tudo
compreender as instituições estabelecidas em toda sociedade, uma vez que o
comportamento humano tomará as formas que essas instituições sugerirem, mesmo a
extremos que o observador profundamente impregnado da cultura da qual faz parte
não pode sequer imaginar.” (pág. 161)
A autora destaca que a seleção é o primeiro requisito para tornar qualquer cultura inteligível, e suas intenções são muito mais importantes que os detalhes particulares de tecnologia ou as formalidades nupciais.
Não há uma tipologia cultural capaz de determinar a fixação dos traços culturais presentes, se trata de uma caracterização empírica e inigualável.
Há, segundo a autora, padrões culturais semelhantes que podem se manifestar de forma adversa, em determinadas culturas, e estão ligadas a seus objetivos prevalentes, que podemos constatar através do trecho abaixo:
“Na
civilização moderna, o homem impiedoso na concorrência comercial é muitas vezes
um marido atencioso e um pai complacente. A obsessiva busca do sucesso na
civilização ocidental não se estende à vida familiar em grau que se assemelhe
ao observado na vida comercial. As instituições que cercam um e outro campo
contrastam em grande medida, o que não ocorre, por exemplo, em Dobu. A vida
conjugal em Dobu é impulsionada pelos mesmos motivos que o comércio no Kula.
Até a horticultura em Dobu é apropriação dos inhames de outro horticultor. Mas
a horticultura costuma ser uma atividade rotineira pouco afetada pelo padrão de
cultura, seja ele qual for, ou seja, é uma situação não alcançada pelos motivos
prevalentes ou na qual estes são restritos.(pág. 162)
Esta
desigualdade no grau em que o padrão cultural influencia o comportamento é
evidente na vida dos kwakiutl.
Já vimos que a reação característica deles em face da morte de um adulto nobre
era levar a cabo algum plano para se vingar, revidar contra uma morte que os
humilhara. Mas um casal jovem que pranteia seu bebê não precisa se comportar
desse modo. O lamento da mãe transborda de pesar. Todas as mulheres vêm chorar
e a mãe segura o filho morto nos braços, deixando as lágrimas rolarem sobre
ele. Diversos tipos de brinquedos que ela encomendou a entalhadores e
fabricantes de bonecas estão espalhados aqui e ali.” (pág. 163)
Destaca como um fato sociológico importante em qualquer interpretação cultural, a essencialidade da difusão, no que diz respeito à imitação humana e a extensão destes costumes nas regiões primitivas.
Desfecha o presente capítulo demonstrando que a avaliação dos traços prevalentes só foi possível quando o traço em análise não era uma questão presente, enfatiza que não se discutiu a religião objetivamente enquanto ela ainda era o compromisso mais profundo. Destaca que ainda não é possível discutir o capitalismo, do mesmo modo e em tempo de guerra, onde o conflito armado e as relações internacionais são verdadeiros tabus. Porém é necessário pesquisar os traços prevalentes da nossa civilização, nos dando conta de que são compulsivos no grau em que são locais e excessivamente estendidos em nossa cultura. (pag. 169)
Por
fim, ressalta que qualquer controle cultural que possamos exercer irá depender da medida em
que se avalia objetivamente os traços a que preferimos e são difundidos na
nossa civilização.
REFERÊNCIAS: Benedict,
Ruth, 1887-1948. Padrões de cultura / Ruth Benedict ; tradução de Ricardo A. Rosenbusch.
– Petrópolis, RJ : Vozes, 2013. – (Coleção Antropologia)
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