Ruth Benedict - Padrões de Cultura - Cap. VIII: O indivíduo e o padrão de cultura

             A autora relaciona o comportamento coletivo a que vem exemplificando ser o comportamento de indivíduos, sendo certo que o mundo se apresenta em separado para cada pessoa, e é este mundo ao qual ela deve construir sua vida individual.

Ao descrever uma civilização, devemos considerar as normas do grupo e relevar o comportamento individual, uma vez que este manifesta as motivações desta cultura.

Não há antagonismo entre o papel da sociedade e do indivíduo. Um dos maiores equívocos do dualismo decorrente do séc. XIX foi a ideia de o que se subtraia da sociedade se acrescia ao indivíduo e vice e versa. Nota-se que as filosofias de liberdade, como laissez-faire e revoluções foram embasadas neste dualismo. A controvérsia existente na teoria antropológica entre a importância do padrão de cultura e a importância do indivíduo resulta do abalo nesta concepção de natureza de sociedade.

A sociedade e o indivíduo não são antagônicos, pode-se dizer que a cultura fornece a matéria prima necessária com a qual o indivíduo constrói sua vida; se é precária, o indivíduo fica em perda; se abundante, o indivíduo possuirá consequentemente maiores oportunidades. Os interesses particulares de homens e mulheres estão ligados ao enriquecimento da bagagem de sua tradição.

Para que haja realização de suas potencialidades, é necessário o desenvolvimento de metodologia científica, não havendo resultados satisfatórios se a cultura não elaborar-lhe os conceitos e os instrumentos necessários.

O Homem comum age com base no antagonismo entre a sociedade e o indivíduo, isto porque as atividades que regulam a sociedade são selecionadas, e nós a identificamos conforme a lei nos impõe, se houver supressão de limites, consequentemente me torno mais livre. Esta base filosófica é ingênua, uma vez que a lei não equivale á ordem social e a sociedade se demonstra regulatória em casos eventuais. Nota-se que em culturas homogêneas mais simples o hábito ou costume, segundo a autora, supre a legalidade formal, que pode ser destacada pelo trecho a seguir:

“Os índios norte-americanos dizem por vezes: “Nos tempos antigos não havia brigas por causa de áreas de caça ou territórios de pesca. Como não havia lei alguma, todo mundo fazia o que era certo”. (pág.172)

É notável que na vida dos velhos tempos aquele povo não se concebia a um controle social externo, advindo de lei. Mesmo na nossa sociedade, a lei não passa de uma rústica ferramenta que precisa sempre ser reformulada e jamais deve ser equiparada à ordem social.

A sociedade em seu sentido literal em que a autora examinou nesta obra, é uma entidade inseparável dos indivíduos que a compõem. Não há como o indivíduo alcançar suas potencialidades sem estar imergido em uma cultural na qual ele integre. Assim inversamente, na sociedade não há um elemento sequer que não seja contribuição de um indivíduo. Neste sentido, a origem dos traços sociais está no comportamento de um homem e uma mulher.

Nenhuma cultura já observada foi capaz de erradicar as diferenças de temperamento dos indivíduos que a compõem, percebe-se sempre mútuas concessões, o implica dizer que não se esclarece o problema do indivíduo ressaltando o antagonismo e sim salientando o seu esforço recíproco. Sendo assim, não se analisa o padrão de cultura sem se ater à sua relação com a psicologia individual.

Têm-se visto que a sociedade escolhe algum segmento do arco de possíveis comportamentos humanos e a medida que alcança a integração, suas instituições promovem a expressão do segmento escolhido e rechaçam expressões opostas. Não se pode imaginar que as respostas de seu povo serão igualmente respondidas pelas instituições de qualquer cultura. É preciso relacionar além da história de vida pessoal e dons naturais, com o comportamento que é selecionado nas instituições de sua cultura.

A maior parte dos indivíduos nascidos em determinada cultura, adota o comportamento prescrito por esta sociedade, isto porque sua bagagem intelectual é plástica, moldável, em detrimento da força moldadora da sociedade, não se importando em qual civilização se apresente. É certo que os indivíduos adotam com muita facilidade a forma que lhes é apresentada.

Porém, nem todos acham a sociedade igualmente adequadas sendo certo que  favorece àqueles cujas potencialidades estão de acordo com o tipo de comportamento escolhido por sua sociedade. Porém, o comportamento tido como anormal em determinada sociedade, pode não o ser em outras.

Dentre as culturas estudadas, segundo a autora, nenhuma delas enfrenta a frustação de maneira realista, enfatizam o recomeço da experiência original interrompida, que pode ser traduzida no trecho seguinte:

“Às vezes o restabelecimento assume formas que nos repugnam, o que só torna mais evidente que nas culturas que lidam com a frustração dando rédeas a este comportamento em potencial as instituições da sociedade levam este proceder a extremos insólitos. Entre os esquimós, quando um homem mata outro, a família do homem assassinado pode apossar-se do assassino para repor a perda no seu grupo. Com isso, o assassino vira marido da mulher que ficou viúva por sua culpa. Esta ênfase no restabelecimento desconsidera todos os outros aspectos da situação, isto é, aqueles que para nós são os únicos importantes. Quando a tradição escolhe um objetivo dessa índole, é perfeitamente congruente que ela acabe por negligenciar todos os demais.

O restabelecimento pode ser realizado em situações de luto de modo menos compatível com as normas da civilização ocidental.”(pag.174)  

Sobre o ponto de vista do luto como restabelecimento, observa-se que essas que algumas culturas dão apoio aos indivíduos em grau inimaginável no contexto de nossas instituições, como no caso dos índios da região sul dos Grandes Lagos quando substituem a criança morta por outra, atribuem a ela os mesmos privilégios e o mesmo afeto que tinham à criança anterior, nós também esta possibilidade de conforto, porém, minimizamos sua relação com a perda original, não utilizamos como técnica de luto, e as pessoas que assim se identificassem, ficariam sem apoio até a crise passar.

Neste sentido, segunda a autora, em qualquer grupo de indivíduos estas diferentes reações de frustração e de dor seriam adequadas, seja por desconsiderá-las, retaliá-la, punir e procurar o restabelecimento da situação original. Estes impulsos podem ser considerados maneiras boas ou ruins, os ruins são considerados desajustamento e insanidade e os bons como adequado funcionamento social. Segundo a obra, esta configuração não se dá entre uma tendência má e a a anormalidade em sentido absoluto.

Em todas as tribos estudadas nota-se os indivíduos anormais, o que seria dizer segundo uma psiquiatria comparativa válida que estas pessoas desnorteadas que não conseguiram se adaptar de forma adequada aos padrões de sua cultura, são da maior importância, e não se deve confundir este desnorteio com lista fixa de sintomas, deve-se concebê-lo pelo estudo daqueles cujas reações características nega validade em sua sociedade, podendo ser melhor demonstrada pelo trecho abaixo:

“Enquanto aqueles que têm respostas próprias mais próximas do comportamento que caracteriza a sua sociedade são favorecidos, aqueles cujas respostas próprias caem na área de comportamento não capitalizada pela sua cultura ficam desnorteados. Estes anormais são aqueles que não contam com o apoio das instituições de sua civilização. São as exceções que não adotaram facilmente as formas tradicionais de sua cultura.” (pág.175) 

Há presença de indivíduos tidos como anormais em todas as culturas, embora, ao compará-lo a outras culturas, percebe-se que sua conduta apenas se desvia do padrão apreciado por determinada cultura, como em Dobu, o homem que praticava gestos públicos de amizade para com as mulheres de sua estreita ligação, era considerado escandaloso, visto como simples tolice, a aldeia não zombava dele, porém era considerado fora do jogo, como se percebe no trecho seguinte:

“A razão pela qual o dobuano não podia atuar na sua cultura não residia nas respostas peculiares que lhe eram próprias, mas no abismo entre elas e o padrão cultural.”

 Estes indivíduos, considerados fora dos padrões culturais, não são psicopatas, segundo a autora, são frutos do dilema das propensões inatas que se destoam dos padrões previstos nas instituições da sua cultura. Este dilema passa a ter importância psiquiátrica quando o comportamento é considerado anormal.

A autora cita neste viés a anormalidade, o homossexualismo, considerado pela cultura ocidental, algo anormal, sendo certo que em outras culturas já ocupou local de respeitabilidade, como na República de Platão, sendo um meio importante para boa vida, observada no comportamento da Grécia naquela época. Cita também neste sentido a capacidade dos berdache podendo ser entendida a partir do trecho seguinte:

É claro que há muitas razões para uma pessoa virar berdache em Zunhi, mas, seja qual for a razão, os homens que optaram abertamente por adotar o traje feminino têm a mesma chance que qualquer outra pessoa de ser membros atuantes da sociedade.

Nota-se então que o fato de ser homossexual não seria um caráter de anormalidade, como visto pode até ser sinônimo de destaque, a anormalidade era vista no homem que decidia viver com este homossexual como se pode observar:

“...o desdém social não recaía no berdache e sim no homem que vivia com ele. Este era considerado um homem fraco que escolhera uma situação fácil em lugar das metas aceitas da sua cultura; ele não contribuía para o lar, que já era um modelo para todos os lares graças ao esforço exclusivo do berdache. O juízo que se fazia dele não questionava a sua opção sexual, mas no que dizia respeito a seu papel econômico ele era um pária.”

 

Concernente a estas “anormalidades” cita também o transe, que em determinados tempos em todas culturas pode ser considerado anormal, já em outros tempos, uma qualidade, sendo certo que irá depender de como a sociedade o enxerga.

Neste sentido, cita-se o trecho final do livro que dá sustentação ao acima descrito:

“O reconhecimento da relatividade cultural traz consigo seus próprios valores, valores estes que não precisam ser os das filosofias absolutistas. Ele desafia as opiniões costumeiras e incomoda muito àqueles que nelas foram educados. Inspira pessimismo porque gera confusão quanto às antigas fórmulas, não porque contenha nada intrinsecamente difícil. Assim que a nova opinião for adotada como crença habitual, ela será outro bastião fidedigno da boa vida. Alcançaremos então uma fé social mais realista, aceitando como motivos de esperança e bases para a tolerância os padrões de vida coexistentes e igualmente válidos que a humanidade criou para si com as matérias primas da existência.” 

 

 

REFERÊNCIAS: Benedict, Ruth, 1887-1948. Padrões de cultura / Ruth Benedict ; tradução de Ricardo A. Rosenbusch. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2013. – (Coleção Antropologia)

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