Margaret Mead - Sexo e Temperamento: Os Tchambuli habitantes do lago
Sexo e Temperamento (Margaret Mead, de 1935) Editora Perspectiva, 4ª edição, 2000. Capítulo sobre os Tchambuli do lago
Uma das mais famosas obras da
antropologia, Sexo e Temperamento, de Margaret Mead, é voltada para a
descrição de três povos próximos: Os Arapesh da montanha; Os Mundugumor do rio;
e os Tchambuli do lago. A análise feita destes povos é muito voltada pra
questão do condicionamento das personalidades sociais do sexo – masculino e
feminino – nessas três sociedades. Veremos, aqui, um pouco da cultura dos
Tchambuli do lago, que Margaret Mead busca detalhar de forma objetiva e
precisa.
Primeiramente, a autora
argumenta sobre o porquê da escolha dos Tchambuli. Mead aponta que eles eram um
povo que se encontravam sob controle por um bom tempo, sendo cerca de sete
anos. Além disso, eram um povo de arte difícil e de uma cultura mais elaborada.
Após sua justificação de escolha
dos Tchambuli, Mead começa a descrever, detalhadamente, este povo. Nas páginas
iniciais, a autora relata que o lago era ligado por duas vias navegáveis pelo
Rio Sepik, situado numa região pantanosa com pequenas colinas na extremidade
sul. Eram de lineamentos não regulares e uma dessas ilhotas, às vezes de
tamanho suficiente para conter muitas árvores adultas e grandes, se alojava
permanentemente contra as margens do lago, bloqueando, as vezes, a saída de um
local sendo preciso cortá-la em segmentos com o intuito de passar com as canoas
nativas. Além disso, a antropóloga descreve que o vento altera as condições dos
menores canais, por vezes abrindo passagem livre ou bloqueada. O lago continha,
também, uma água que se assemelhava com esmalte preto, pois era colorida pela
matéria vegetal da turfa marrom-escura.
Os Tchambuli eram uma pequena
tribo com apenas quinhentos ao todo que falavam a língua, e uma parte destes
falavam com um sotaque diferente e alguma diversidade no vocabulário. Se
estruturavam em três aldeias da borda do Monte Tchambuli e tinham suas casas
cerimoniais criadas sobre altas estacas ao longo das encharcadas praias do
lago. Haviam quinze dessas casas, ao todo, sendo mais frequentadas pelos
homens. Essas possuíam um chão de barro batido, simplesmente, e eram
enfileirados fogareiros na parte central da casa, em cuja volta haviam
tamboretes esculpidos sobre os quais a pessoa sentava-se e deixava que a fumaça
“brincasse” em volta dos pés, servindo de proteção contra os mosquitos. Possuíam
longas e oscilantes cortinas verde-clara e escuro, que pendiam lateralmente no
andar inferior protegendo dos olhares dos transeuntes os que estão no interior.
Na parte interior, as pessoas olhavam curiosas para a parte de fora, ouvindo
passos e vozes no caminho; e gritavam um cumprimento formal. Este caminho era o
dos homens que mulheres e meninas honravam nas ocasiões de festas.
Na construção dessas casas de
cerimônias, faziam, primeiramente, uma torre com armação de vime e dois
pássaros de vime, sendo um macho e uma fêmea. Posteriormente, à vontade
daqueles que construíram, as torres eram colmadas e os pássaros de vime eram
trocados por um ornamento mais pesado, uma ave de madeira com as asas saindo da
imagem da oca de um homem. De cada uma dessas casas, saía um caminho de uns cem
pés pela encosta acima da montanha, sendo essas mais cumpridas e baixas que as
dos homens. Haviam também moradias que eram chamadas, especificamente, de “casa
das mulheres”, que eram ligadas por um caminho que corria ao longo da encosta,
sendo mais alto, e era por esse caminho que as mulheres se locomoviam de uma
casa para a outra. Cada casa abrigava de duas a quatro famílias, e no interior
da moradia sempre havia um grupo de mulheres ocupadas nas atividades de
trançar, cozinhar e remendar o equipamento de pesca. Entre as mulheres, o clima
que reinava era de forte cooperação e solidariedade em suas atividades
amistosas. Entre os homens, ao contrário, esse clima era oposto visto que esses
sentavam-se com afetação no seu próprio lugar e observavam os outros homens
minuciosamente.
Os Tchambuli eram um povo que
acordavam cedo. Quando as primeiras luzes apareciam se envolvendo com o lago,
eles já estavam de pé. As mulheres já iam descendo as encostas e vadeavam por
entre o lótus seguindo para suas canoas com o intuito de inspecionar ou colocar
novamente as pesqueiras de vime, em forma de sino. Alguns homens já se
encontravam nas casas de cerimônias, ainda mais naquelas que possuíam um ou
dois noviços, que eram meninos de dez a doze anos de idade, com corpos
ressecados de tinta branca, que se encontravam agachados no frio da madrugada.
Estes noviços eram autorizados a dormir nas casas das mães, porém, deveriam
estar de pé e fora delas antes mesmo do amanhecer, zarpando para a margem do
lago com um disfarce de esteira de chuva que os cobriam por completo. Soava, de
uma casa cerimonial, um gongo de tiras com a batida própria da casa, chamando e
convocando homens de outras partes para tarefas cerimoniais, para ajudar no
corte de um teto novo de palmeira, ou no trançado de máscaras para a dança.
Como dito no início pela autora,
os Tchambuli eram um povo elaborado. Possuíam dias de feira, no qual canoas partiam
para distante dos pântanos, onde encontravam os intratáveis e mal-humorados
“habitantes do mato”, com o interesse de trocar peixes e moedas de conchas por
sagu e cana-de-açúcar. Havia uma moeda corrente no mercado, sendo ela chamada
de talibun. A moeda era uma concha verde de caracóis, originárias da
longínqua ilha de Wallis, ao largo da costa dos Arapesh. Essas conchas chegavam
aos Tchambuli, possuindo uma individualidade acentuada de características como
tamanho, cor, peso, brilho e ornamentação, e os Tchambuli consideravam-nas
dotadas de sexo e personalidade. Nos locais onde essas moedas eram utilizadas,
a barganha no mercado convertia-se em uma compra de alimentos por dinheiro,
porém, na troca de alimentos por valores entre os quais havia grande exercício
de escolha. Seria uma maneira de compra bilateral e o possuidor de moeda deveria
advogar a virtude dessa moeda particular de maneira ainda mais forte do que o
possuidor do alimento.
A sociedade dos Tchambuli possuía
um cotidiano que seguia o ritmo tranquilo e sossegado da pesca, do trançado das
mulheres e das atividades cerimoniais, segundo os relatos de Mead. Quando havia
uma festa ou dança de máscaras, a comunidade inteira parava de trabalhar, e os
homens e as crianças se enfeitavam de vários aspectos festivos. Os homens
enfeitavam as cabeças com penas de ave-do-paraíso ou de uma ema por sobre os
cachos arranjados. As crianças ficavam com capas bordadas de conchas, pesados
cinturões e colares de conchas também. Se reuniam no terreiro de dança, aqueles
movendo-se acanhados, envergonhados de comer, entre várias mulheres eficientes,
cheias de enfeites e risonhas, com as crianças mascando cana-de-açúcar. Um
acontecimento como a morte, ou escarificação de um garoto ou garota, exigia uma
festa. Cerca de cinquenta ou sessenta mulheres se reuniam numa casa,
aglomerando-se em grupos de cozinheiras ao redor das panelas no fogão, raspando
as chapas de barro onde assavam bolos e cozinhando as panquecas de sagu, que eram
presentes em todas as festas. Em alguns momentos dos sucessos, alimentos
cozidos especialmente ou conchas valiosas eram transportadas ao longo da
estrada da praia, indo de uma casa cerimonial para a outra, por pequenos grupos
de mulheres e homens ritualmente organizados. Figuras mascaradas os acompanham,
fazendo palhaçadas e pantomimas entre os grupos de mulheres dançantes que
mergulhavam entre suas pernas, ou quebravam suas cuias de argila.
Entre o povo Tchambuli quase
sempre havia abundância de comida. Não havia dependência de produção agrícola
que deveria ser colhida e cultivada – apesar de alguns homens de maior energia
e força ocasionalmente fazerem plantações de inhame em terreno alto ou canteiro
de taioba em partes mais baixas por conta própria – mas do sagu que era
comprado em muitas quantidades e guardados em potes de barro com faces em
alto-relevo. Não havia, também, uma necessidade do trabalho diariamente, pois o
sagu era armazenado, o peixe defumado, não havia feira todos os dias e os
trabalhos podiam ser interrompidos durante muitos dias para assistir um ritual
ou uma festa. E esta era a vida dos Tchambuli, entretanto, após um longo
período de guerra entre os povos que habitavam na floresta produtores de sagu
ou após uma época de pesca ruim para os Tchambuli, e se coincidisse com a época
em que as plantações de taioba se encontravam submersas, havia fome entre este
povo.
A antropóloga nos demonstra que
um povo acostumado a ser facilmente hospitaleiro, com uma alegre e firme
ostentação de abundância, não possui códigos para lidar com a fome, mas possuem
uma intolerância impiedosa contra o roubo. O ladrão de alimento era entregado
de forma impiedosa a outra aldeia, onde a pessoa – podendo ser mulher ou homem
– era executado, sendo sua cabeça considerada um troféu que validava a casa
cerimonial daquele grupo, e à aldeia que o ladrão pertencia era pago um preço.
Em consequência do relato do
parágrafo passado, Mead descreve que, assim, os Tchambuli assinaram a caça de
cabeças e a execução de criminosos. Consideravam que era preciso que todo
menino Tchambuli matasse uma vítima na sua infância e para tal intuito
adquiriam de outras tribos vítimas vivas, em geral crianças ou bebês. Em alguns
casos, bastava somente um cativo de guerra ou um criminoso de outra aldeia
Tchambuli. O pai segurava o cabo da lança para o seu filho, e a criança,
repugnada e horrorizada com a situação, era iniciada no culto das caças de
cabeça. Mead nos conta detalhadamente sobre essa atividade de caça. A
antropóloga conta que o sangue da vítima era espalhado sobre o pé das pedras
verticais, na clareira menor, no exterior da casa cerimonial; e se a vítima era
uma criança, enterravam o corpo sob um dos pilares da casa. A cabeça era
composta pela modelagem de barro sobre o crânio original e pintada com desenhos
pretos e brancos, com olhos de conchas e cachos colados, e pendurada na casa
cerimonial como uma espécie de troféu para se vangloriar, a exemplo das cabeças
de inimigos mortos em combates. Entretanto, a antropóloga conta que mesmo com
essa atividade bélica e mortal, os Tchambuli não eram entusiastas da guerra ou
da caça de cabeças; uma casa cerimonial deve ter cabeças, mas eles preferiam
comprar órfãos, bastardos e criminosos dos homens da floresta e matá-los de
forma cerimonial na aldeia do que correr riscos de batalha. O enfeite das
cabeças formava uma bela arte, sua posse era como um ponto de orgulho ritual;
porém, a aquisição era feita da forma mais segura e mansa possível.
A autora busca mostrar que o
povo Tchambuli contrastavam de forma bastante aguda com seus belicosos vizinhos
do médio Sepik, que consideravam a caça de cabeças a mais importante ocupação
masculina. Este povo do médio Sepik dependiam dos Tchambuli para a manufatura
de cestas-mosquiteiros trançadas, tidas por mobiliário inevitável e necessário
nas casas nativas, nesta zona que era infestada por mosquitos. Os Tchambuli
também ofereciam um mercado para as canoas feitas no Sepik, pois estes nativos
conseguiram instrumentos de ferro que conseguiam fabricar canoas muito antes e
em quantidades maiores do que os Tchambuli. Os vizinhos do Sepik, entretanto,
dedicam-lhes grande desprezo e os reputam bons objetivos de ataque. O povo
Tchambuli cederam diante das contínuas ações de assalto, caça de cabeças e
queima de casas empreendidas pelo povo do médio Sepik, e os habitantes das três
aldeias fugiram com seus amigos de troca, dirigindo-se o primeiro grupo rumo ao
rio Kolosomali, o segundo para as montanhas atrás de Tchambuli, e o terceiro um
pouco mais para o norte. Esta fuga aconteceu segundo os mais fortes laços de
comércio e intercasamentos que as três aldeias tinham preservado em gerações
anteriores. Posteriormente, quando o governo branco se adentrou no Sepik, os
Tchambuli retornaram ao sítio de suas velhas aldeias, convenceram os oficiais
de governo sobre seu direito a elas, afastaram os pequenos grupos de invasores
do médio Sepik e instalaram-se novamente em seus antigos lares. Com a proteção
do governo, as caças de cabeças foram virtualmente abandonadas, entretanto, os
vínculos dos Tchambuli com essa prática eram ligeiras, rituais e
desimportantes. Sua importância voltava-se para a decoração de casas
cerimoniais, com belas esculturas, manufaturando os graciosos ganchos duplos
onde penduram as cestas de rede completamente decoradas que vêm da margem do
norte do Sepik, e trançando várias máscaras que pertenciam a clãs e grupos
cerimoniais diferentes. Com instrumentos de ferros recém-possuídos construíam
suas próprias canoas, em vez de comprá-las do povo do Sepik por preços
estrondosos; não possuindo ameaças de incursões, as mulheres possuem tempo para
suas pescarias e para colher todas as variedades de raízes de lírios-d’água,
sementes de lótus e trepadeiras, com que banqueteiam seus jovens parentes do
sexo masculino quando estes aparecem para cavar com suas mães e tias o talibun
e a kina, que era vinte vezes mais valiosa e crescente de madrepérola.
Na época em que Mead estava convivendo com os Tchambuli, a Pax Britannica
estava sob esse povo, e eles estavam com um processo de renascimento da
cultura. Além disso, cada homem estava com a mão ocupada em gravar decoração
num pote de barro, em tecer um pássaro ou uma máscara, bordar uma cortina de
casa, ou modelar um osso de casuar igual à um papagaio ou um búcero.
Logo após essa descrição do
cotidiano Tchambuli, a autora vai se dedicar a sua observação para os papéis
dos homens e das mulheres nessa sociedade. A antropóloga começa descrevendo que
os Tchambuli viviam para a arte. Todo homem era um artista nessa sociedade e a
maioria é hábil não apenas em uma só arte, mas em várias: dança, escultura,
trançado, pintura etc. O homem se preocupava, em especial, com seu papel no
cenário de sua sociedade, com a elaboração de seu traje, com a beleza das
máscaras que o mesmo possuía, com sua habilidade em tocar flauta,
aperfeiçoamento e o élan de suas cerimônias, com o reconhecimento e a
valorização que outros dispensam a seu desempenho. As cerimônias deste povo não
eram somente um subproduto de algum acontecimento na vida do indivíduo,
portanto, não cabia dizer que esse povo organizava uma cerimônia para iniciar
os rapazes, mas antes que, para organizar uma cerimônia, os Tchambuli iniciavam
os rapazes. Questões como a aflição da morte eram abafadas e praticamente
dissipadas pelo interesse no cerimonial que a cerca – que flautas devem ser tocadas,
que máscaras e cabeças de cerâmica hão de decorar a sepultura; na etiqueta do
grupo de mulheres enlutadas, que recebem pequenas lembranças de junco para
lembrarem do ocorrido. O interesse das mulheres pela arte limitava-se à
participação no padrão de relações sociais, à pequena quantidade de pinturas
nas suas cestas, capuzes que foram trançados e dança coral; quanto ao lado dos
homens, porém, era o único objeto importante na vida.
Mead se dedica também aos
relatos da estrutura social destes povos do lago. A estrutura da sociedade era
patrilinear. Grupos de homens, todos parentes por ancestrais masculinos e com
um nome comum, possuem faixas de terras que, dos cumes das colinas, se faziam
plantações ocasionais, desciam pelas encostas, onde se erguiam as casas das mulheres,
e se estendiam até a beira do lago, onde cada clã, ou em algumas vezes dois
clãs vizinhos, construíam sua casa masculina. Dentro desse grupo masculino
existiam certos tabus. O filho mais velho ficava tímido e envergonhado na
presença de seu pai e o seu irmão mais próximo em idade observava o mesmo tipo
de comportamento em relação a ele. A possibilidade de herança é o que os
embaraçava. Os filhos mais novos, muito afastados das considerações de
sucessões, sentiam-se à vontade uns com os outros. As relações entre um homem e
o filho de seu irmão também eram amistosas e esses – cuja posição era descrita
por pidguin, “paizinho” – intervia entre os meninos e os seus autodesignados e
alegres disciplinadores, os rapazes maiores.
As brigas nessas casas de homens eram frequentes e a qualidade de membro
variava. Ao menor descuido a pessoa que cultivava um sentimento de ofensa se
afastaria, indo morar com outro clã com quem pretendia se relacionar. Contudo,
Mead descreve que subsiste um sentimento social de que tal comportamento é
errado, e que os membros de um clã deveriam sentar-se juntos, que era um grande
número de homens idosos que repousava a sabedoria da casa cerimonial. Quando
ocorria alguma doença ou infelicidade, os xamãs diziam que os espíritos
xamânicos e os espíritos dos mortos que pendiam das estacas das casas estavam
irritados pelo afastamento de um ou mais membros do clã. A solidariedade desses
grupos de homens não era tão real, mas somente aparente; seria como se todos
estivessem sentados de maneira muito ligeira e instável na beira de suas
pranchas pré-determinadas, prontos para partir dali ao menor olhar, toque ou
alguma hostilidade falada.
Cada clã desses homens possuíam
alguns privilégios: grandes listas de nomes que só os filhos das mulheres do
clã receberiam por direito; canções do clã e uma boa quantidade de bens
cerimoniais, máscaras, danças, canções, flautas, tambores de tiras, invocações
especiais; e um conjunto de elementos sobrenaturais próprios, marsalais do
lago, às vezes um dos espíritos xamânicos, ou outros seres sobrenaturais de
menor importância, cujas vozes eram ouvidas através da flauta, do tambor e da
placa vibrante. A casa dos homens de um clã insistia em que os dançarinos
mascarados que passavam por aquele caminho deviam permanecer por um instante
diante das pedras verticais instaladas do lado de fora; outras dessas casas
tinham o privilégio de fazer girar as placas vibrantes durante as enchentes.
Além dessa estrutura clânica,
haviam outras maneiras de organização social. Havia uma organização dual; todos
os membros de um clã pertenciam, na maioria das vezes, ou ao povo do Sol, ou ao
da Mãe. Entretanto, às vezes um clã era dividido ao meio e cada uma das partes
pertencia a um dos povos. O casamento deveria ser realizado através da linha
divisória da organização dual, mas nem sempre era assim. Essas duas divisões
também dispunham de vários direitos e bens cerimoniais, sendo que os bens eram
guardados numa casa de homens. Os varões também pertenciam a outros grupos, nos
quais o mesmo desempenhava um papel especial em cerimônias de iniciação e em
festas de outra espécie. Ele também poderia se considerar orgulhoso de suas
cerimônias, apesar da sua qualidade ser a mais estabelecida.
As relações entre os homens
Tchambuli eram delicadas e difíceis, visto que ele se sentava ligeiramente,
mesmo na casa de seus companheiros de clã. Mead explica que os homens eram tão
nervosos e sensíveis que não comiam quase nunca, em casa de outros clãs;
entretanto, suas relações com mulheres eram o único aspecto sólido e seguro de
sua vida. Enquanto bebê, os homens permanecem delicadamente nos braços de uma
mãe risonha e despreocupada, uma mãe que o alimentava enquanto ocupava os dedos
em trançar com junco cestas de dormir ou capuzes para época de chuva. O bebê
nunca era deixado só; havia sempre um grupo de oito ou dez mulheres ao redor, trabalhando
risonhamente, atendendo-lhe às necessidades, de bom grado e sem alguma
obsessão. O bebê passava sua infância rolando nas grandes moradias das
mulheres, onde se divertiam com outras crianças e sua boca nunca estava vazia. As
mulheres desmamavam os filhos com um descuidado tão grande quanto os
amamentavam, enchendo a boca desses de quitutes para que o choro parasse.
Posteriormente nutriam os bebês de maneira farta com talos de lotos, talos de
lírios, sementes de loto, maçãs malaias, pedaços de cana-de-açúcar e o
menininho podia permanecer sentado, mascando dentro da grande casa cheia de
outras crianças de sua família e de grupos de mulheres amigáveis. Algumas vezes
havia cerimônia e sua mãe o levava consigo quando iria passar o dia cozinhando
em outra casa. Já lá, no meio da multidão de muitas mulheres, com mais crianças
rolando pelo chão, ele também mascava cana-de-açúcar da maneira como mascava em
sua própria casa. Sua mãe levava variadas guloseimas em uma cesta, para dar
para ao garotinho cada vez que reclamava.
Quando o garoto possui cerca de
sete ou oito anos, ele começa a andar à volta dos lugares de vida cerimonial
dos homens. Caso ele se aproximasse demais da casa dos homens enquanto ocorria
uma cerimônia, era escorraçado, embora em ocasiões normais podia se esconder
sob a proteção de um “paizinho”. Os garotos mais velhos maltratavam o garotinho,
ligeiramente, mandavam recados, jogavam pedaços de pau e, em algumas ocasiões,
chegavam a espancá-lo se ele desobedecia. O garotinho corria de volta disparado
pela montanha acima para a casa da mãe, onde os meninos mais velhos não podiam
alcançá-lo. Se ocorresse de se encontrar com um desses meninos, na casa de
alguma das mulheres, o garotinho se aproveitava para tirar sarro do rapaz;
provocava-o e atormentava-o, imitando o andar do mesmo e a maneira com
impunidade; o menino maior não podia atacá-lo.
A autora se dispõe a explicar
como é a vida masculina desde o início até os seus primeiros rituais. Mais ou
menos entre os oito aos doze anos, o garoto era escarificado, e não era a idade
que determinava isto, mas as ambições cerimoniais do pai. O garoto ficava preso
em uma pedra se contorcendo, enquanto um “tio” materno e um especialista em
escarificações recortam desenhos em suas costas. O menino podia gritar o quanto
quisesse, pois ninguém iria ajudá-lo ou confortá-lo, nem mesmo sustentar seus
gritos. O garoto tinha as costas recortada em forma de desenho e era pintado
com óleo e açafrão. Tudo ao seu redor era uma elaboração padrão cerimonial, de
que o garoto não compartilhava. O pai dava presentes ao irmão de sua mãe; as
esposas do irmão de sua mãe recebiam saias novas de palha, novos capuzes de
chuva, novas cestas de transporte. Sua escarificação era um motivo pra toda essa
ostentação, mas ninguém lhe dava atenção.
Continuava um longo período
recluído. Permitiam o garoto, à noite, dormir em casa, mas antes do amanhecer,
ele deve se esgueirar da casa das mulheres (assim como os noviços visto
anteriormente) todo coberto da cabeça aos pés por uma capa. Seu corpo ficava todo
coberto de barro branco, e o garoto deveria permanecer o dia todo dentro da
casa dos homens. De quatro em quatro dias era lavado e colocavam a nova camada
de pintura sobre ele. Mead aponta que tudo era muito desconfortável. Às vezes, dois
homens de um clã igual combinavam escarificar seus filhos, entretanto, o menino
era iniciado sozinho. Não dizem que essa coisa era feita para o seu bem, mas a
discussão ao redor é voltada para o procedimento cerimonial, e se o pai podia
fazer uma cerimônia mais vistosa esperando, praticamente, três meses para lavar
o garoto, ele o fazia. O pai lava o filho uma semana após a escarificação. O
banho é ritual e acaba com o período que o menino passou recluído. O irmão da mãe
do garoto lhe dá um cinturão trançado, enfeites de conchas, cabaça de bambu com
uma espátula de filigrana, tudo isso como presente. Agora, o garoto poderia
andar com tudo isso debaixo de seu braço, acompanhando pessoas que levavam
alimentos, talibun ou kinas, em seu nome, para outras pessoas. Depois
era esperado que ficasse mais um tempo na casa dos homens, mas ainda se
refugiava entre as mulheres. Assim, o garoto caminhava para a juventude com os
pais e os irmãos mais velhos observando de forma quieta a atitude do garoto
frente às suas esposas mais jovens, e ficam cheios de suspeita se ocorresse do
mesmo perambular pelos caminhos das mulheres.
As mulheres, contudo, continuavam
um grupo sólido de cujo apoio, alimento e afeição dependia. Não havia separação
entre as mesmas do grupo consanguíneo e a esposa com quem se casava, pois desposa
a filha de um dos meios-irmãos ou primos de sua mãe. O menino chamava-as tal
como sua mãe própria, aiyai. Todas as meninas do clã materno, todas a
quem olhava esperançoso, são por ele assim chamadas. Uma das “mães” seria, um
dia, sua esposa. Os presentes ganhados na escarificação constituíam os mais
sérios de seus direitos sobre uma mulher do clã materno. Nesse viés, um clã
ligava-se ao outro de geração a geração. Por isso que as mulheres se dividiam no
grupo de que depende, para ele, pois todas eram da ordem das mães incluindo a
própria mãe. No tocante, à irmã de seu pai e à filha da irmã de seu pai, seu comportamento
se guiava mais formalmente, pois essas não poderiam servir de mãe, esposa ou
sogra. Ao casamento afetivo, além dos presentes enviados nos acontecimentos
cerimoniais, o homem deveria pagar pela noiva com vários kinas e talibun,
e para esse pagamento ele dependia de sua parentela masculina mais próxima. Um
órfão, se lhe fosse permitido subsistir, tinha poucas esperanças de obter
esposa enquanto jovem. Sendo filho de ninguém; como poderia então esperar ter
esposa?
As mulheres Tchambuli se
interessavam por homens artistas e possuíam uma sociedade baseada na poliginia.
Já os homens deveriam se casar com mulheres que “valeriam a pena”; deveriam
saber trançar, pescar e cozinhar. As que sabiam trançar mosqueteiros eram
aquelas que poderiam deixar o homem rico, portanto, valiam a pena. A mulher, na
sociedade Tchambuli, era onde o poder se encontrava, mesmo com os homens sendo
donos das casas e chefes das famílias. As mulheres pescavam, cozinhavam, trançavam
seus mosquiteiros e isto movimentava a economia dessa sociedade. Possuíam
rituais explícitos que deixavam alguns homens com medo e outros até excitados, mas
os últimos deveriam tomar cuidado para que não percebessem sua excitação,
principalmente os mais velhos. Mead, já para o final da descrição dos
Tchambuli, conta a história de um amor entre um órfão e uma viúva, que eram os dois
tipos de pessoas que eram quase excluídos nessa sociedade. Yepiwali, que era
viúva, se apaixonou por Tchuikumban, um órfão. A moça era pretendida por outros
homens, mas esperou pelo seu amado. Entretanto, o moço não tomava atitude e foi
coagido pelo pai adotivo, que lhe envergonhou e disse que não teria proveito em
se casar com a moça. Não ficaram juntos por Tchuikumban ser órfão e pobre, e
ele deveria se casar com uma mulher que lhe deixaria rico, visto que Yepiwali
não sabia trançar mosqueteiros para vender ao povo do médio Sepik. Com isso, a
moça perdeu a paciência e escolheu outro homem. O povo Tchambuli, assim como os
Arapesh e os Mundugumor também possuíam um conflito a respeito das mulheres,
visto que os jovens e os velhos lutavam pelos favores delas. Entretanto, quando
se casavam, caso houvesse rumor de que a mulher era superior ao homem da casa,
o homem poderia dar uma surra na moça para que a fonte do poder da casa fosse
confundida, e que o homem parecesse estar por cima na visão da sociedade.
Portanto, o povo Tchambuli era
uma sociedade, de certa forma, complexa e bem elaborada. A descrição desses
três povos (Arapesh, Mundugumor e Tchambuli) foram de suma importância para o
campo antropológico, tornando a obra Sexo e Temperamento uma das maiores
da Antropologia. Sem sombra de dúvidas, a observação participante de Margaret
Mead se diferencia no campo antropológico por debater questões que eram vistas
como tabus, em sua época, inspirando vários antropólogos ao redor do planeta e
tornando-se, assim, um dos maiores nomes femininos da Antropologia. A leitura da
obra Sexo e Temperamento é indispensável não só para antropólogos, mas
para todos aqueles que querem entender ou conhecer outras culturas, sociedades
e como essas são condicionadas pelas personalidades do sexo masculino e
feminino.
massa!
ResponderExcluirCultura pura, show de bola
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