Margaret Mead - Sexo e Temperamento: Os Mundugumor habitantes do rio

Sexo e Temperamento (Margaret Mead, de 1935) Editora Perspectiva, 4ª edição, 2000. Capítulo sobre os Mundugumor.

A tribo Mundugumor foi selecionada pra estudos por Margaret Mead, por ter fácil acesso pela água e também por não ter sofrido nenhuma influência missionária que pudesse interferir em seus costumes, cultura ou linguagem. Localizada a meio dia de viagem como costumam falar, do barrento rio Yuat.

O texto nos diz que os Mundugumor são o oposto dos Arapesh no modo de viver. Conhecido como canibais ou caçadores de cabeça, sua aldeia fica às margens do rio Yuat, que é um afluente do rio Sepik. Rio de Águas turvas com grande correnteza que causa medo.

Os Mundugumor são em cerca de mil almas como diz o texto e se dividem em dois grupos, os que vivem nas aldeias na ribanceira do rio Yuat e os que vivem no oeste, pois não se acostumavam com o rio. Falam a mesma língua, mas não se sentem o mesmo povo, foram divididos pela vida do Rio e mudaram também o modo de vida até que tentaram, como um dos membros do grupo rival e não surtindo efeito com isso, tornou comum o ato de comer alguém da outra aldeia. Com isso, os Mundugumor saiam pelos Campos distantes à procura de inimigos para comer ou também trocar objetos de valores com indivíduos de outros povos, que viviam na cabeceira dos rios, tipo arcos, flechas, enfeites, etc…

Já os povos que viviam no Pantanal, ou seja, na parte baixa, compravam panelas para cozinhar, cestas para carregar, uma flauta com uma imagem que era fetiche que os Mundugumor acreditavam ser espíritos da mata. Esses povos não eram desprezados pelos Mundugumor e só não eram mortos, só pelo fato de precisarem das panelas para fazer comida, caso contrário seriam todos mortos.

As crianças às vezes eram trocadas temporariamente para que aprendessem a língua da tribo e os caminhos secretos. As crianças serviam de reféns em caso de traição, sendo escolhido do sexo masculino pois tinham menos valor. Os Mundugumor usavam fumo, a noz e o coco como tipo de pagamento em troca das manufaturas, pois era o que não lhes fazia falta, já que tinham em abundância em suas terras altas, com isso não precisavam eles próprios fabricar ficando com tempo livre para caça de cabeça. Somente algumas mulheres trabalhavam na produção de cestos usados para pesca. Essas mulheres nasceram com cordão umbilical em volta do pescoço, e quem nascia desse modo era destinado a dar continuidade à tradição das artes Mundugumor, como esculturas, desenhos, etc. Os Mundugumor viviam em cabanas cobertas de Sapé, separados com uma ou duas mulheres. Os irmãos não podiam viver muito perto, já que o irmão mais novo só fala com o irmão mais velho quando necessário e também não fala com a esposa do mais velho.

Não há uma organização ou sociedade organizada como a dos Arapesh. Ao invés de grupo os Mundugumor tem uma forma de organização chamada corda, que é composta de um homem, suas filhas, os filhos de suas filhas, as filhas de seus filhos, e assim por diante. Passando assim também as terras e toda propriedade para a corda. Um homem e seu filho não pertencem a mesma corda, portanto, só deixa como herança uma parte da terra por direito patriarcal, a outra parte da propriedade é dado a filha. Os filhos pertencem à mãe e as filhas ao pai.

O ideal social é chamado a grande família polígona, onde um homem tem de oito a dez mulheres, onde a divisão é definida com o pai e todas suas filhas e cada mãe com seus filhos. Os irmãos já crescem rivais e desconfiados, desde criança são ensinados a se reservarem, podendo apenas manter contato em lutas desde que seja em público. Há rivalidade entre as esposas de seus filhos e co-esposas, e entre pais e filhos. Quando o filho atinge 12 anos, sua mãe já é considerada velha a ser esposa favorita, seu pai já procura nova esposa, sendo que essa não pode reclamar por motivo de ser espancada, com isso, o filho defende a mãe e se torna contra o pai. Isso é um desafio para o homem, pois o maior número de esposa é sinônimo de riqueza e poder.

As mulheres cuidam do cultivo do fumo, que é considerado o artigo mais valioso do comércio. Os homens conseguem suas mulheres, trocando as por suas irmãs, portanto o homem que não tem irmã tem que lutar para conseguir sua mulher que terá que ser roubada ou trocada por uma flauta.

Quando o pai morre, o irmão mais velho pode trocar todas as suas irmãs por esposas, deixando seus irmãos sem recurso. Os homens mais velhos têm privilégio sobre os mais novos, sendo assim, ao invés de um jovem trocar uma irmã por uma esposa, mas o pai também pode, assim ele mesmo troca sua filha por outra esposa. O pai então tem total domínio sobre suas filhas até que elas se casem. O filho sempre foi e será o rival do pai.

Os Mundugumor são muito ricos, podem brigar se desentender, mudar de casa, mas o trabalho não para. As mulheres são responsáveis por esse processo ininterrupto, suas brigas são causadas não por ambição econômica, mas pela posse do maior número de mulheres.

Entre eles existe a festa do inhame, que é oferecida para provar e mostrar sua riqueza aos outros membros. Tem a festa da iniciação, dada pelos mais ricos, a festa de troca de alimentos em um par de grande homens e festa de vitórias com a triunfante caça de cabeças. Esses tais homens são considerados "os verdadeiros homens maus", agressivos, que não temem a nada, tinham o maior número de mulheres independente do modo que usavam para adquiri-las. Quando morrem, são pranteados, são os pontos fixos do sistema social. Enquanto isso, os homens pobres eram canibais e faziam suas festas esnobando entre seus dentes, um pedaço de carne do inimigo que eles odiavam.

Todo menino mundo Mundugumor, nasce na hostilidade já direcionado para violência. Quando a mulher engravida, o homem entristece, começam as superstições de um homem marcado e que muitas coisas não podem ser feitas por ele, pois pode prejudicar a criança ainda no mesmo no ventre da mãe. Se ele faz uma cerca, outro homem finca as estacas, se colhe rotin na mata, tem que ser só os verdes, pois a criança pode ficar presa no ventre da mãe.

Esses tabus, ao invés de uni-lo à esposa, servia para afastá-lo, pois a gravidez não é algo bem-vindo aos mundugumor. Não se pode ter relação sexual com a esposa após saber da gravidez, pois temem que venham gêmeos. A mulher se sente privada sexualmente e esquecida pelo marido, corre o risco de ser trocada por outra, fazendo com que a própria mãe recuse o amor à criança. Essa atitude comprova o individualismo desumano e hostil dos mundugumor. A mulher é usada apenas com o objetivo de satisfazer o homem em todos os sentidos, tanto no lado econômico social e sexual.

Os meninos parentes tem que lutar pelas suas esposas quando se tem poucas irmãs, isso mostra que a própria existência social depende da existência de uma irmã, assegurando em uma posição adequada na sociedade Mundugumor. Mesmo não agradando pela maternidade, as mulheres Mundugumor tem uma tendência muito grande a gerar gêmeos, sendo que um deles geralmente é dado adoção e as mulheres que nunca conceberam são induzidas a amamentar, com a prática de levar o bebê várias vezes até o seio e tomando muito leite de coco.

As vezes a menina já é encomendada antes de nascer, o homem ajuda a alimentar a mãe durante a gravidez para que possa ter a posse dela ao nascer. Quando nasce um menino o homem fica frustrado. A criança ao nascer não é bajulada, é tratada grosseiramente, não fica junto a mãe, é criada em cestos ásperos e não alimenta sempre, só quando tem muita fome. Logo que aprende a andar a criança é deixada de lado e tem que se virar sozinha, só não pode andar longe por perigo de afogamento. A amamentação também vai sendo cortada aos poucos, evitando o contato com os seios da mãe. O processo de desmame é feito com pancadas e descompostura, que acentuam ainda mais o quadro do mundo hostil que é apresentado a criança, com isso as crianças chupam dois dedos ou as costas da mão, daí lhes é oferecido o alimento.

As crianças não podem entrar em qualquer casa, tem que pedir. Os meninos parentes já são rivais desde pequenos, se beliscam e se intrigam, ameaçam os menores sendo rajados ou surrados por um adulto. As meninas não brincam em grupo, mas tem comportamento cooperativo entre si, portanto, a criança já cresce independente e livre, sem carinho ou docilidade. Não se difere o comportamento e o tratamento do sexo. Tanto menino e menina crescem com o mesmo temperamento, são violentos, agressivos e ciumentos, só diferenciam no porte físico.

Com oito ou nove anos, podem servir de refém a uma tribo estranha na caça da cabeça, para mostrar vigor e personalidade para suportar a prova.

Ao se tornar adolescente, o menino Mundugumor é obrigado a liquidar um cativo para o festin canibal, para mostrar que são capazes de fazê-lo. São virtualmente assimilados aos padrões individualistas de sua sociedade. Daí vem a iniciação, que é um processo onde os meninos ficam agressivos por exigência como castigo, e as meninas como privilégio que lhes é concedido. A iniciação acontece sempre que é um grande homem dá uma festa. Não tem idade certa, é algo que não marca mudança de vida, se for menino a sociedade lhes impõe, se for menina lhes é permitido enquanto são jovens.

Crianças que sofreram pelas gotas de leite que mamaram, não aceitam casamento arranjado ou convenientes.

As meninas procuram por seus parceiros, exibindo suas vestes e peles, alegres e modernas, enquanto os homens ficam alertas a qualquer sinal de favor.

As aventuras amorosas dos jovens solteiros, são puramente ó paixão e não por carinho ou romance. Algumas palavras sussurradas e logo se parte pro sexo.

São lhes aconselhado pelos mais velhos, a não darem explicação quando algo acontecer. Ao homem, que estava caçando, perdeu a flecha, tropeçou, caiu no galho, etc… e à menina, que agarrou o brinco na árvore, rasgou a saia, que assustou quando ouvi um barulho no mato. Tentar esconder a forma de paixão devoradora.

As filhas podem ter várias aventuras antes do casamento, mas ninguém pode saber. Até o próprio pai pode dormir com a filha até que ela se casar, a mesma coisa acontece com o filho, principalmente quando os pais são ciumentos e não aceitam ceder seus filhos jovens.

Existem também os encontros no mato, onde os amantes se encontram e também há os encontros escondidos em casa na cama cesta durante a noite. Se caso o pai descobrir um amante na cesta de dormir de sua filha, dá-lhe a punição de amarrar a abertura da cesta, jogá-la escada abaixo e espetar com a lança e chutar, antes que seja aberta.

Portanto o mosquiteiro e a cesta de dormir, desempenham um papel constante na vida dos Mundugumor. Quando crianças são carregadas na cesta junto ao corpo da mãe com medo de quebrar o pescoço. Quando estão assustados ou amoados, escondem se em mosqueteiros, daí os pais expulsam os filhos dos mosqueteiros fazendo-os passar uma noite ao relento e perto dos mosquitos.

Todas as ideias de refúgio por tristeza, orgulho ferido, dissimulação, etc… são nos mosquiteiros que permitem um grau de isolamento em sociedades primitivas. No entanto o encontro dos amantes no mato é violento, natural e atlético, enquanto que na cesta tem que ser em silêncio, imóvel relativamente, sendo considerada uma atividade sexual pouco satisfatória.

Já os maridos casados demostram interesse em ajudar suas esposas no trabalho no mato, quando estão com intenção de copular, ou seja, namorar naturalmente com Impetuosidade. Geralmente acontece nas plantações de inhame e são vistas como forma de exibicionismo pelos outros que observam com malícia.

Entre os mundugumor, os casamentos que mais duram são os casamentos arranjados, entre muitos jovens, pois seus cônjuges são muito novos para escapar, e o casamento por escolha que é envolvido por uma paixão intensa e é posta em surdina pela gravidez, pelas brigas e ciúmes por outra mulher.

Enfim a morte e a redistribuição das viúvas e mais complexo, criando mais confusão entre os herdeiros do que quando uma mulher é raptada.

Um homem pode bater em sua esposa que ninguém se intromete, nem mesmo seus irmãos. As mulheres são tidas como mais maduras, portanto, não precisam de proteção, sendo elas dominantes na maioria das vezes no casamento, por serem mais maduras e agressivas.

O esposo amadurece com a idade se tornando mais consciente de suas forças e pronto pra exercer seu papel na corte das mulheres mais jovens. Os filhos ao invés de unir os pais, tende a afastá-los sendo usados nos conflitos entre eles.

Como vimos, o caráter ideal entre os Mundugumor é idêntico para ambos os sexos. É esperado que homens e mulheres sejam iguais na violência, competitividade, agressivamente sexuados, vingativo, etc…

Os Mundugumor, tanto homens e mulheres se desenvolviam como indivíduos implacáveis, agressivos, sem o mínimo de aspecto carinhoso e maternal em sua personalidade, indisciplinados e violentos. O ideal dos Mundugumor é um homem cruel e agressivo, unido a uma mulher cruel e agressiva. Portanto aquele indivíduo fugia dos padrões do comportamento exigido pela cultura Mundugumor, era considerado desajustado. Conclui-se que a personalidade Mundugumor era determinada pelo sexo, limitada pelo sexo e tudo girava em torno do sexo. O sexo masculino dominava e o feminino era submisso. Se o homem não fosse dominante, sua sexualidade era duvidosa.

Desde criança, eram treinados a conformar-se, se não seguissem esses padrões, eram considerados desajustados. Os Mundugumor escolheram como ideal os próprios tipos de homens e mulheres que são considerados tão incompreensíveis que mal é permitido a sua ocorrência. Caráter Mundugumor é idêntico para ambos os sexos, sendo homens e mulheres violentos, competitivos, agressivos, sexuados e vingativos. Portanto homens e mulheres que para os Arapesh seriam um tipo ideal, entre o Mundugumor estão fora do padrão.

Os desajustados são aqueles indivíduos que não encontram uma forma congênita para seus talentos especiais, ou seja, não encontram no curso da vida um papel que lhe seja apropriado, onde o ideal da sociedade é uma mulher virgem, devem contentar se com viúvas, com mulheres desprezadas, com mulheres que os homens não querem.

Para Margaret Mead o comportamento dos Mundugumor era bruto, o que mais lhe chamou atenção nessa cultura foi a sua relação de parentesco.

Eles eram poligâmicos podendo ter mais de uma esposa e isso explica o fato de terem mais afinidade com as filhas, querendo ter muitas filhas, pois assim que tivesse idade de se casar poderiam ser trocadas com filhos de outros homens, tornando assim suas esposas.

Quanto mais filhos os homens tivessem, mais esposas lhes seriam permitidas através da troca, sendo assim as mulheres tinham receio em ter filhas pelo fato de que cada filha que tivesse seria uma esposa a mais para seus maridos, obrigando assim a dividir também os recursos do lar. Quando nascia um filho e chegava à idade de se casar, herdava do pai o direito de trocar uma irmã por uma esposa constituindo assim sua própria família e tirando do pai a chance de tê-la como esposa.

Para Margaret Mead, os Mundugumor possuíam laços de família baseado na disputa e confronto com brutalidade e sem fragilidade independente do sexo.


Comentários

  1. Muito interessante saber os costumes e comportamento de um povo tão diferente em sua cultura.

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